quinta-feira, junho 30, 2011

Três expectativas para um líder cristão em 1 e 2 Timóteo (parte 2/5)

Por T. Zambelli

Paulo como mestre

Além de se apresentar como modelo a ser imitado, Paulo também reconhecia ser um mestre, “cujo trabalho é de instruir homens, particularmente os gentios, a quem ele especificamente foi enviado, para proclamar as doutrinas da vida eterna, a ressurreição e incorruptibilidade final do corpo humano. Em resumo, a salvação do corpo e alma dos homens por Cristo Jesus.” O apóstolo reconhecia que era o próprio Deus quem lhe dera o ofício de mestre: Deste evangelho fui constituído pregador, apóstolo e mestre (2Tm 1.11 – grifo meu; cf. 1Co12.28).

Um genuíno mestre (διδάσκαλος) é alguém verdadeiramente capaz de ensinar a outros. No caso de Paulo, especialmente os gentios, mas não exclusivamente: Para isso fui designado pregador e apóstolo (Digo-lhes a verdade, não minto.), mestre da verdadeira fé aos gentios (1Tm 2.7 – grifo meu; cf. Ef 3.7-8). Sempre que o apóstolo chegava a uma nova cidade, ele visitava a sinagoga e lá ficava até que era expulso (ex.: At 18.4-8). Então sua atenção era focada no público não judeu.

Todo mestre tem sua área de domínio. O professor (ou mestre) Paulo especificou a sua: a Palavra de Deus. Agora me alegro em meus sofrimentos por vocês, e completo no meu corpo o que resta das aflições de Cristo, em favor do seu corpo, que é a igreja. Dela me tornei ministro de acordo com a responsabilidade, por Deus a mim atribuída, de apresentar-lhes plenamente a palavra de Deus, o mistério que esteve oculto durante épocas e gerações, mas que agora foi manifestado a seus santos. A ele quis Deus dar a conhecer entre os gentios a gloriosa riqueza deste mistério, que é Cristo em vocês, a esperança da glória (Cl 1.24-27 – grifo meu).

Era tarefa do apóstolo apresentar todo o conteúdo do Evangelho. Isto é que significa plenamente (πληρῶσαι) no texto bíblico. Um bom professor sabe como administrar o conteúdo a ser ensinado e o tempo necessário para a boa explanação. Em alguns locais Paulo permaneceu mais tempo do que em outros, razão nem sempre explícita na Bíblia, mas que ele sabia o porquê.

Timóteo podia testificar da realidade e da eficácia do ensino de Paulo

Timóteo era companheiro de Paulo. Estavam juntos em várias cidades para pregar a respeito de Jesus, o Filho de Deus (1Co 1.18-19): Filipos, Tessalônica, Beréia e Corinto, por exemplo. O jovem sem dúvida passou tempo suficiente com seu mestre para observar e internalizar suas virtudes. O próprio apóstolo, convicto de seu bom caminhar com Deus, reconhece ter tido Timóteo como testemunha de seu proceder em prol do Reino de Deus: Mas você tem seguido de perto o meu ensino, a minha conduta, o meu propósito, a minha fé, a minha paciência, o meu amor, a minha perseverança as perseguições e os sofrimentos que enfrentei, coisas que me aconteceram em Antioquia, Icônio e Listra (2Tm 3.10-11a). Todos estes bons valores de Paulo eram diametralmente opostos ao que homens como descritos no início de 2Tm 3 são apresentados. São estes os valores:

• Ensino (διδασκαλίᾳ): Paulo, como todo bom mestre, era um exímio expositor da Palavra de Deus. Timóteo sabia que de sua boca saía apenas o conteúdo do genuíno Evangelho, sem escoriações no conteúdo soteriológico.

• Conduta (ἀγωγῇ): Paulo era eticamente correto; vivia o que pregava. Ele inclusive sabia que Timóteo podia testemunhar seu proceder aos coríntios (1Co 4.17).

• Propósito (προθέσει): O apóstolo aos gentios disse: Todavia, não me importo, nem considero a minha vida de valor algum para mim mesmo, se tão-somente puder terminar a corrida e completar o ministério que o Senhor Jesus me confiou, de testemunhar do evangelho da graça de Deus (At 20.24).

• Fé (πίστει): Paulo caminhava com Deus de acordo com sua fé, que também era ensinada aos gentios e judeus: Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo para levar os eleitos de Deus à fé e ao conhecimento da verdade que conduz à piedade (Tt 1.1).

• Paciência (μακροθυμίᾳ): Paulo ensinava que longanimidade devia ser parte da essência do cristão, como fruto do Espírito (Gl 5.22) e vestimenta do novo ser (Cl 3.12).

• Amor (ἀγάπῃ): Paulo sabia que um genuíno amor é sem hipocrisia (Rm 12.9).

• Perseverança (ὑπομονῇ): um sinônimo de paciência, cuja compreensão de Paulo não ficava somente em palavras: mas se esperamos o que ainda não vemos, aguardamo-lo pacientemente (Rm 8.25).

• Perseguições (διωγμοῖς): Paulo suportou diversas perseguições e Timóteo era testemunha disso.

• Sofrimentos (παθήμασιν): Paulo, o apóstolo, sofreu singularmente pela causa do Reino (2Co 11.16-33).

• (Coisas) quais me aconteceram (οἷα μοι ἐγένετο): Como exemplos, ...provocando perseguição contra Paulo e Barnabé, os expulsaram do seu território (At 13.50b) e ...apedrejaram Paulo e o arrastaram para fora da cidade, pensando que estivesse morto (At 14.19).

Timóteo pôde observar o ministério paulino de muito perto. Ao falar sobre a palavra grega (um verbo) que traduz tem seguido de perto (παρηκολούθησας) Hendriksen afirma que “o verbo implica que Timóteo havia realmente tomado Paulo como um modelo, e que, além disso, o havia ouvido com grande interesse quando relatava suas experiências, em algumas das quais (por exemplo, as ocorrido em Listra) o próprio jovem estivera intimamente envolvido.” 

O mestre Paulo, que vivia o que pregava, o real conteúdo da mensagem bíblica, também orientou seu pupilo Timóteo que agisse assim.

Timóteo como mestre

Paulo exige que Timóteo ordene e ensine estas coisas (1Tm 4.11; veja também 1Tm 6.2,17). 

Ele deve ordenar coisas tais como: ‘rejeitar mitos profanos e de velhas senis’, ‘Exercite-se [e a outros] para o viver piedoso’ (v.7). Ordens tais como essas se aplicam não só a Timóteo pessoalmente, mas a todos os presbíteros, sim, e ainda a todos os cristãos. É provável que a expressão ‘essas coisas’, em conexão com ‘ordene’, se refira também a mandamentos implícitos, tais como: ‘nunca rejeite o que Deus destinou ao uso, mas participe dele com ações de graça’ (vv.3,4); ‘Nutra-se [e a outros] das palavras da fé e da sã doutrina’ (v.6); ‘Confie no Deus vivo e em sua promessa a todos os eu vivem piedosa e o aceitam com fé genuína” (vv. 8,9). Timóteo deve ensinar coisas como ‘a apostasia está chegando na forma de ascetismo’ (vv.1-3); ‘esse erro é um insulto a Deus e à sua criação’ (vv.4,5); ‘um ministro excelente é aquele que se alimenta da sã doutrina que ele transmite a outros’ (v.6); ‘o benefício que advém da vida piedosa transcende aquele que resulta do treinamento físico’ (vv.8-10).”

Todo mestre deve se empenhar em ordenar e ensinar em ordem de se fazer conhecido, com a autoridade de Cristo, o conteúdo da Palavra de Deus para o procedimento de uma vida santa. Paulo também disse: até a minha chegada, dedique-se à leitura pública da Escritura, à exortação e ao ensino (1Tm 4.13):

• Leitura pública (ἀναγνώσει): A palavra grega pode ser tanto uma leitura privada quanto pública, mas parece mais lógico que seja uma referência à leitura pública, como sugere a tradução portuguesa. Numa época onde os textos impressos eram escassos, a leitura pública era a melhor forma de propagar o ensino. Um mestre deve ser capaz de pregar.

• Exortação (παρακλήσει): A palavra grega não tem o sentido de repreensão, mas de aconselhar, animar e encorajar. Todavia, isso inclui a advertência, como por exemplo, num erro moral. Um bom mestre igualmente sabe conduzir propriamente as pessoas ao sentimento e a atitude correta, de acordo com a Palavra de Deus.

• Ensino (διδασκαλίᾳ): Paulo, como todo bom mestre, era um exímio expositor da Palavra de Deus. Timóteo sabia que de sua boca saía apenas o conteúdo do genuíno Evangelho, sem escoriações no conteúdo soteriológico..

Aos olhos de Paulo, Timóteo era capaz de, como ele, ser um bom mestre, alguém apto de pregar, exortar e ensinar o conteúdo bíblico, a verdade para a compreensão do propósito divino ao criar homens e mulheres segundo à Sua imagem e semelhança.

quarta-feira, junho 29, 2011

Três expectativas para um líder cristão em 1 e 2 Timóteo (parte 1/5)


Introdução

É inquestionável para qualquer genuíno cristão que Paulo, depois de nascer de novo, exerceu uma vida cristã com a qualidade de um exemplar filho de Deus. Ele mesmo disse a Timóteo: Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé (2Tm 4.7). Paulo é indubitavelmente alguém a quem devemos olhar e imitar (cf. 1Co 11.1), visto que seus esforços, desde a compreensão dada por Deus sobre Ele e sobre si, foi prosseguir para o alvo de seu chamado celestial (Fp 3.14) de ser um ministro entre os povos: ...fui designado pregador e apóstolo (digo-lhes a verdade, não minto), mestre da verdadeira fé aos gentios (1Tm 2.7).

Enquanto entre os homens, o exemplar Paulo, apóstolo do Senhor Jesus Cristo, marcou sua vida e a de outros de diversas formas. Aliás, ele ainda faz isso através de seus preservados e inspirados escritos para diversas igrejas e pessoas de sua época. Ele foi incontestavelmente um eminente modelo, um exímio mestre e um espetacular mentor.

Paulo como modelo

Segundo dois dicionários virtuais da língua portuguesa, modelo significa aquilo que serve para ser imitado. Como figura de linguagem, é coisa ou pessoa que merece ser imitada, ou seja, exemplo. De fato, Paulo era um exemplo de seguidor de Cristo, alguém que tinha a vida em total sujeição ao chamado celestial (At 20.24).

O pai

O apóstolo aos gentios tinha confiança em sua integridade. Ele apontava para si e dizia: suplico-lhes que sejam meus imitadores (1Co 4.16). Sua convicção era como a de um piedoso pai, que realmente era (cf. 1Co 4.15), e que reconhecia ser o melhor ter seus filhos o imitando do que a qualquer um outro. Ele suplicava (παρακαλῶ) aos seus filhos do Evangelho que fossem seus imitadores (μιμηταί), pois ele mesmo era imitador de Cristo: Tornem-se meus imitadores, como eu o sou de Cristo (1Co 11.1).

O evangelista

À igreja de Tessalônica, Paulo disse: Pois vocês mesmos sabem como devem seguir o nosso exemplo, porque não vivemos ociosamente quando estivemos entre vocês (2Ts 3.7). Paulo vivia e pregava corriqueiramente acerca Reino de Deus: Irmãos, certamente vocês se lembram do nosso trabalho esgotante e da nossa fadiga; trabalhamos noite e dia para não sermos pesados a ninguém, enquanto lhes pregávamos o evangelho de Deus (1Ts 2.9 – grifo meu). Paulo é alguém que firmemente podemos ter como modelo de pessoa que administrava bem o seu tempo, especialmente no que tange a proclamação do Evangelho. Sejam sábios no procedimento para com os de fora; aproveitem ao máximo todas as oportunidades (Cl 4.5). 

Para os tessalonicense Paulo também reafirma sua convicção de obreiro aprovado por Deus:
Irmãos, vocês mesmos sabem que a visita que lhes fizemos não foi inútil. Apesar de termos sido maltratados e insultados em Filipos, como vocês sabem, com a ajuda de nosso Deus tivemos coragem de anunciar-lhes o evangelho de Deus, em meio a muita luta. Pois nossa exortação não tem origem no erro nem em motivos impuros, nem temos intenção de enganá-los; ao contrário, como homens aprovados por Deus para nos confiar o evangelho, não falamos para agradar pessoas, mas a Deus, que prova o nosso coração (1Ts 2.2-4 – grifo meu; cf. 2Co 10.18).

O orientador

Apesar de num primeiro momento a proclamação do Evangelho ter sido árdua em Filipos, a mensagem frutificou. Quando Paulo escreve sua carta à igreja dos filipenses (60-61 a.D), ele encoraja seus irmãos em Cristo à promoção do Evangelho, com algumas poucas palavras de correção, todavia gentis. Para tal promoção do Evangelho, Paulo mais uma vez se usa como exemplo a ser imitado: Ponham em prática tudo o que vocês aprenderam, receberam, ouviram e viram em mim. E o Deus da paz estará com vocês. (Fp 4.9 – grifo meu).

Paulo, ao pedir que os filipenses pusessem em prática o que ele mesmo lhes ensinou, vai além da teoria. Ao contrário do canto do hipócrita “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço,” Paulo pede ao seu público que colocasse em prática a doutrina instruída, o que os corações e mentes absorveram, o que eles ouviram privada ou publicamente e o que eles observaram dele. Paulo se mostra como exemplo holístico, um orientador a ser seguido, ciente que se assim eles também fizessem, ou seja, se a Paulo eles imitassem, eles poderiam ter certeza da presença de Deus, a fonte da genuína paz no meio deles.

Sobre esta passagem Albert Barnes escreveu: “O pregador é o intérprete da vida espiritual e deveria ser um exemplo disso.” Robertson questionou: “Quão poucas são as pessoas destes dias que podem encorajar outros a imitar tudo o que eles viram nelas, aprenderam delas, e ouviram delas?” Paulo conhecia a Deus e conhecia a si mesmo. Seus ensinos não eram somente verdade em suas palavras. Ele era capaz e verdadeiro ao apontar para si mesmo e se mostrar como um professor irrepreensível. Ele conhecia seus esforços para ser como Jesus Cristo. Ele sabia que crescia em Deus. Sua convicção não se tornava verdade à medida que ele depositava mais fé nela, mas ela era a própria verdade: Paulo é um modelo de cristão a ser seguido!

Timóteo como modelo 

Não foi por menos que ele também exigiu de Timóteo, seu verdadeiro filho na fé (1Tm 1.2), que fosse exemplo para que outros cristãos o imitassem: Ninguém o despreze pelo fato de você ser jovem, mas seja um exemplo para os fiéis na palavra, no procedimento, no amor, na fé e na pureza (1Tm 4.12).

Ninguém sabe ao certo a idade exata de Timóteo neste momento de sua vida. Vincent acredita que ele tinha entre 38 e 40 anos. O autor de The People’s New Testament escreveu que ele tinha entre 35 e 38 anos. “Segundo Irineu, a primeira etapa da vida abarca trinta anos e se estende até os quarenta (Against Heresies, II.xxii). Segundo essa fonte, Timóteo ainda era ‘um jovem’.” Fato é que o pupilo de Paulo era muito mais novo que o apóstolo, como também era em relação aos presbíteros da igreja. De qualquer forma, a ordem era para que Timóteo soubesse lidar com o desprezo que possivelmente sofreria pela sua idade no cargo em que ocupava.

A resposta de Timóteo ao possível desprezo não deveria se basear na autoridade que lhe era direito. Paulo ordena que seu verdadeiro filho na fé fosse um padrão (ARA), um exemplo (τύπος) para os fiéis, possivelmente para que sua liderança fosse ratificada pela sua maturidade em Cristo e não pela posição na igreja. Para isso, Paulo cita cinco áreas:

• Na palavra (λόγῳ): Timóteo deveria ser um exemplo na forma e conteúdo de suas conversas. Um bom líder deve manter sua língua sobre controle (Tg 3.2) e reconhecer que más conversações são perigosas (1Co 15.33). Adam Clarke argumenta que este item também faz referência à didática do jovem e tira como lição: “Ensine nada além da verdade de Deus, pois nada além salvará almas.” 

• No procedimento (ἀναστροφῇ): a palavra grega pode ser traduzida por modo de vida, conduta, comportamento, ou postura. Ela se refere às atitudes visíveis. Quem é sábio e tem entendimento entre vocês? Que o demonstre por seu bom procedimento, mediante obras praticadas com a humildade que provém da sabedoria (Tg 3.13 – grifo meu). Pelo contrário, segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento (1Pe 1.15 ARA, grifo meu; também 1Pe 2.12).

• No amor (ἀγάπῃ): “no profundo apego pessoal a seus irmãos e uma genuína preocupação por seu próximo (inclusive seus inimigos), buscando sempre a promoção do bem-estar de todos” (cf. 1Co 13).

• Na fé (πίστει): “Em todo tempo, em todas as provações, exponha-se aos incrédulos pelo seu exemplo, como eles devem manter uma firme confiança em Deus.” 

• Na pureza (ἁγνείᾳ): a mesma palavra é usada por Paulo um pouco depois nesta mesma carta: Não repreenda asperamente o homem idoso, mas exorte-o como se ele fosse seu pai; trate os jovens como a irmãos; as mulheres idosas, como a mães; e as moças, como a irmãs, com toda a pureza (1Tm 5.1-2). A ideia era para que Timóteo se mantivesse debaixo da lei moral de Deus, santo, imaculado, provável e especialmente no que tange a imoralidade sexual.

Enfim, Paulo tinha uma expectativa que Timóteo buscasse ser exemplo para os outros cristãos como o próprio apóstolo o era, com a convicção correta.

quarta-feira, junho 22, 2011

Riscos de uma superficialidade bíblica

Por T. Zambelli
Baseado no sermão "O risco da superficialidade teológica" por Carlos Osvaldo Pinto (04/07/2010 - IBCU).


Em 2008, depois de um artigo que li na revista ULTIMATO (mar/abril), fui incentivado a pesquisar um pouco mais sobre o que Deus deseja de Sua criatura quanto a sã doutrina. Naquele artigo, a autora enfatizava as palavras de Peter Meiderlin, teólogo luterano da cidade de Augsburg, na Alemanha. No término de um livrete, que descreve um sonho que ele teve, estão as palavras: "No essencial, unidade; no secundário, liberdade; e acima de tudo, o amor."

Tais palavras são sofisticadas, mas não creio serem verdadeiras. Refiro-me ao que a frase indica como essencial. Costumo dizer que essencial "é tudo aquilo que sem o qual não o é." Em outras palavras, é tudo aquilo que faz parte da essência da identidade de algo ou alguém. Você consegue imaginar um gato sem quatro patas? Uma tartaruga sem o casco? Uma casa sem um teto? Todos estes são elementos essenciais destes objetos. Não os imaginamos sem eles.

A UNIDADE sempre fez parte do desejo de Deus, mas sempre foi dependente da VERDADE. Israel tinha como base ser um povo sujeito ao único Deus e não havia como unir neste grupo aqueles que ainda gostariam de dizer e viver o contrário disso. O "hino" de Israel sempre foi claro: Ouça, ó Israel: O SENHOR, o nosso Deus, é o único SENHOR (Dt 6.4). A igreja igualmente deve viver numa unidade que reflete o nosso triúno Deus. O apóstolo Paulo orava por isso: O Deus que concede perseverança e ânimo dê-lhes um espírito de unidade, segundo Cristo Jesus, para que com um só coração e uma só voz vocês glorifiquem ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo (Rm 15.5-6).

Para que a unidade seja genuína, para que o coração da igreja glorifique a Deus, é necessário conhecer o que Ele quer que sejamos, tenhamos, façamos, pensamos, etc. É necessário conhecê-lo e indubitavelmente, a melhor forma é através da Bíblia. Somente seremos capazes de nos unir, se o fundamento for a verdade. Ninguém conhecerá a verdade se não for através da Palavra de Deus.

Dessa forma, levo você a pensar comigo:

1. Pouco conhecimento é melhor do que nenhum conhecimento, mas pode não ser conhecimento suficiente.

Enquanto isso, um judeu chamado Apolo, natural de Alexandria, chegou a Éfeso. Ele era homem culto e tinha grande conhecimento das Escrituras. Fora instruído no caminho do Senhor e com grande fervor falava e ensinava com exatidão acerca de Jesus, embora conhecesse apenas o batismo de João. Logo começou a falar corajosamente na sinagoga. Quando Priscila e Áqüila o ouviram, convidaram-no para ir à sua casa e lhe explicaram com mais exatidão o caminho de Deus (Atos 18.24-26).

Apolo era oriundo da cidade mais intelectualizada da época. Foi em Alexandria, por exemplo, que o Antigo Testamento havia sido traduzido para o grego. Apolo, diz o texto, era culto e que havia sido catequizado no caminho de Deus. Ele tinha grande conhecimento no Antigo Testamento e ensinava com precisão sobre Jesus Cristo.

Note que Apolo apresentava conhecer Jesus Cristo, no entanto, diz o texto bíblico, conhecesse apenas o batismo de João. Isso nos remete a questionar qual era o conteúdo que ele ensinava às pessoas sobre Jesus. Uma afirmação como do texto bíblico, mostra-nos que Apolo não conhecia o escopo e propósito da morte de Jesus, tampouco sua ressurreição, fundamental a fé cristã (cf. 1Co 15).

Conhecendo Áquila e Priscila o conteúdo da mensagem de Apolo, chamaram-o até sua casa e explicaram a ele que Jesus Cristo era mais do que ele, com precisão, já conhecia. Utilizando-me das palavras da NVI, alguém que já conhecia a Jesus com exatidão, era capaz de conhecer com ainda mais exatidão sobre Ele. Exatidão não é sinônimo de plenitude, totalidade ou completude.

Apolo era alguém que tinha conhecimento sobre Jesus Cristo, mas não o suficiente para apresentar o conteúdo da mensagem da salvação como merecido e devido, até que os assistentes ministeriais da igreja de Éfeso fizessem seu papel com zelo e amor.


2. Pouco conhecimento facilita a má compreensão da verdade

Enquanto Apolo estava em Corinto, Paulo, atravessando as regiões altas, chegou a Éfeso. Ali encontrou alguns discípulos e lhes perguntou: "Vocês receberam o Espírito Santo quando creram?" Eles responderam: "Não, nem sequer ouvimos que existe o Espírito Santo". "Então, que batismo vocês receberam?", perguntou Paulo. "O batismo de João", responderam eles. Disse Paulo: "O batismo de João foi um batismo de arrependimento. Ele dizia ao povo que cresse naquele que viria depois dele, isto é, em Jesus". Ouvindo isso, eles foram batizados no nome do Senhor Jesus. Quando Paulo lhes impôs as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo, e começaram a falar em línguas e a profetizar. Eram ao todo uns doze homens (Atos 19.1-7).

Aqueles que supostamente já haviam crido em Jesus Cristo ainda não conheciam, nem sabiam que o Espírito Santo existia. Eles somente puderam desfrutar dEle depois de Paulo lhes ter explicado sobre o batismo de João e lhes ter imposto suas mãos.

Crer em Jesus nos garante bênçãos inestimáveis. Um pouco de conhecimento bíblico pode nos dar percepções sobre a veracidade daquilo que sentimos, se é real ou não, mas não garante que desfrutemos de todas as verdades e tampouco que consigamos avaliar justamente nossos sentimentos. Por exemplo, uma igreja pode acreditar estar passando por um avivamento espiritual porque todos cantam e dançam, choram ao ouvir a palavra cruz e não querem que o culto acabe, quando estas expressões, se não estiverem fundamentadas no que a Bíblia nos ensina ser um avivamento, na realidade, não é um avivamento.

"Atitudes genuinamente cristãs têm Cristo e não são vãs."
-- T. Zambelli

"Estamos numa época em que a experiência é supervalorizada: 'não importa o que eu sei, importa o que eu sinto', muitos dizem. Eu digo: 'Eu sinto muito.' (Trocadilho com o verbo sentir.) O que você sente é determinado pelo que você sabe e se você não se preocupar com o que sabe, logo você não vai se preocupar com o que sente, porque ele não terá substância suficiente
para manter sua fé e compromisso com Jesus Cristo."
-- Carlos Osvaldo Pinto, Ph.D.


3. Pouco conhecimento o torna vulnerável ao que é contrário ao Reino de Deus.

Paulo entrou na sinagoga e ali falou com liberdade durante três meses, argumentando convincentemente acerca do Reino de Deus. Mas alguns deles se endureceram e se recusaram a crer, e começaram a falar mal do Caminho diante da multidão. Paulo, então, afastou-se deles. Tomando consigo os discípulos, passou a ensinar diariamente na escola de Tirano. Isso continuou por dois anos, de forma que todos os judeus e os gregos que viviam na província da Ásia ouviram a palavra do Senhor (Atos 19.8-10).

Quando Paulo chegava a uma cidade, ele logo se dirigia à sinagoga. Em Éfeso, Paulo ensinou na sinagoga durante três meses. O texto nos ensina que ele falava convincentemente e sabemos que isso somente é capaz de acontecer se houver conhecimento por parte daquele que ensina.

Acontece que o assunto de Paulo era o Reino de Deus, objeto de estudo que qualquer judeu da época diria: "neste assunto eu sou Ph.D.!" Creio que Paulo começou a ensinar partindo de Gênesis e provavelmente fez um panorâma nas Escrituras para então, ir além do que os judeus acreditavam conhecer com profundidade.

Por não conhecer a verdade por completo, alguns judeus se recusaram a crer. Mas aqueles que se tornaram discípulos (termo que no livro de Atos é sinônimo de convertido), foram direcionados para outro local onde puderam aprender e crescer mais durante dois anos com a presença do apóstolo. Note o resultado deste genuíno avivamento: todos os judeus e os gregos que viviam na província da Ásia ouviram a palavra do Senhor.

Sem dúvida a expectativa de que todos os filhos de Deus sejam maduros em conhecimento é fora da realidade horizontal e vertical. O que devemos almejar e esperar é que todos busquem continuamente aprofundar seus conhecimentos sobre/em Deus.

Os judeus possuíam algum conhecimento a respeito de Deus, mas não era o suficiente para impedi-los de serem enganados pela mentira, por questões que são contrárias ao Reino de Deus.

Conclusão

"No essencial, verdade; no secundário, liberdade;
e acima de tudo, o amor."

A verdade salva e gera positivas mudanças. Aqueles que a buscam, conhecerão que sem a unidade, não poderão desfrutar de bênçãos divinas.

Nunca deixe de ler a Bíblia. Medite na Palavra, de noite e de dia.

terça-feira, junho 21, 2011

Thomaz Watson: Examinando Nosso Arrependimento

Por Thomaz Watson



 
Nascido em 1620, Thomas Watson estudou em Cambridge (Inglaterra). Em 1646, iniciou um pastorado de dezesseis anos em Londres. Entre suas principais obras, estão o seu famoso Body of Pratical Divinity (Compêndio de Teologia Prática), publicado postumamente em 1692.



Se alguém diz que se arrependeu, desejo que examine-se a si mesmo, seriamente, por meio dos sete... efeitos do arrependimento delineados pelo apóstolo em 2 Coríntios 7.11.

1. Cuidado. A palavra grega significa uma diligência intensa ou um esquivar-se atento de todas as tentações ao pecado. O homem verdadeiramente arrependido foge do pecado como Moisés fugiu da serpente.

2. Defesa. A palavra grega é apologia. O sentido é este: embora tenhamos muito cuidado, podemos cair no pecado devido à força da tentação. Ora, nesse caso, o crente arrependido não deixa o pecado supurar em sua alma; antes, julga a si mesmo por causa de seu pecado. Derrama lágrimas perante o Senhor. Clama por misericórdia em nome de Cristo e não O deixa, enquanto não obtém o seu perdão. Assim, em sua consciência, ele é defendido da culpa e se torna capaz de criar uma apologia para si mesmo contra Satanás.

3. Indignação. Aquele que se arrepende levanta o seu espírito contra o pecado, assim como o sangue de alguém sobe quando ele vê um indivíduo a quem odeia mortalmente. A indignação significa ficar importunado no coração por causa do pecado. O penitente sente-se inquieto consigo mesmo. Davi chamou a si mesmo de “ignorante” e “irracional” (Sl 73.22). Agradamos mais a Deus quando arrazoamos com nossa alma por conta do pecado.

4. Temor. Um coração sensível é sempre um coração que teme. O penitente sentiu a amargura do pecado. Este vespa o ferrou, e agora, tendo esperança de que Deus está reconciliado, ele teme se aproximar novamente do pecado. A alma penitente está cheia de temor. Tem medo de perder o favor de Deus, que é melhor do que a vida, e receia que, por falta de diligência, fique aquém da salvação. A alma penitente teme que, depois de amolecido o seu coração, as águas do arrependimento sejam congeladas, e ela seja endurecida no pecado novamente. “Feliz o homem constante no temor de Deus” (Pv 28.14)... Uma pessoa que se arrependeu teme e não peca; uma pessoa que não tem a graça de Deus peca e não teme.

5. Desejo intenso. Assim como o bom tempero estimula o apetite, assim também as ervas amargas do arrependimento estimulam o desejo. O que o penitente deseja? Ele deseja mais poder contra o pecado, bem como ser livre deste. É verdade que ele está livre de Satanás; mas anda como um prisioneiro que escapou da prisão com algemas nas pernas. Ele não pode andar com liberdade e destreza nos caminhos de Deus. Deseja, portanto, que as algemas do pecado sejam removidas. Ele quer ser livre da corrupção. Clama nas mesmas palavras de Paulo: “Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24). Em resumo, ele deseja estar com Cristo, assim como tudo deseja estar em seu devido lugar.

6. Zelo. Desejo e zelo são colocados lado a lado a fim de mostrar que o verdadeiro desejo se manifesta em esforço zeloso. Oh! como o crente arrependido se estimula nas coisas pertinentes à salvação! Como se empenha para tomar por esforço o reino de Deus (Mt 11.12)! O zelo incita a busca pela glória. Ao se deparar com dificuldades, o zelo é encorajado pela oposição e sobrepuja o perigo. O zelo faz o crente arrependido persistir na tristeza santa mesmo diante de todos os desencorajamentos e oposições. O zelo desprende o crente de si mesmo e leva-o a buscar a glória de Deus. Paulo, antes de sua conversão, era enfurecido contra os santos (At 26.11). Depois da conversão, ele foi considerado louco por amor a Cristo: “As muitas letras te fazem delirar!” (At 26.24). Paulo tinha zelo e não delírio. O zelo causa fervor na vida espiritual, que é como fogo para o sacrifício (Rm 12.11). O zelo é um estímulo para o dever, assim como o temor é um freio para o pecado.

7. Vindita. Um crente verdadeiramente arrependido persegue os seus pecados com uma malignidade santa. Busca a morte dos pecados como Sansão queria vingar-se dos filisteus pelos seus dois olhos. O crente arrependido age com seus pecados da mesma maneira como os judeus agiram com Cristo. Ele lhes dá fel e vinagre para beberem. Crucifica as suas concupiscências (Gl 5.24). Um verdadeiro filho de Deus busca a ruína daqueles pecados que mais desonram a  Deus... Com o pecado, Davi contaminou o seu leito; depois, pelo arrependimento, ele inundou seu leito com lágrimas. Os israelitas pecaram pela idolatria e, posteriormente, viram como desgraça os seus ídolos: “E terás por contaminados a prata que recobre as imagens esculpidas e o ouro que reveste as tuas imagens de fundição” (Is 30.22)... As mulheres israelitas que haviam se vestido à moda da época e, por orgulho, tinham abusado do uso de seus espelhos ofereceram-nos depois, tanto por zelo como por vingança, para o serviço do tabernáculo de Deus (Êx 38.8). Com o mesmo sentimento, os mágicos... quando se arrependeram, trouxeram seus livros e, por vindita, queimaram-nos (At 19.19).

Estes são os benditos frutos e resultados do arrependimento. Se os acharmos em nossa alma, chegamos àquele arrependimento do qual nos arrependeremos (2 Co 7.10).


Extraído de The Doctrine of Repetance, reimpresso por The Banner of Truth Trust.
Traduzido por: Wellington Ferreira
Copyright© Editora FIEL 2009.

domingo, junho 12, 2011

O Espírito Santo é uma pessoa? (parte 2)

O que a Bíblia diz a respeito do Espírito Santo como pessoa? Não seria o Espírito Santo uma força ativa de Deus no mundo? Ou até mesmo uma personificação do próprio Deus? O que as escrituras realmente ensinam sobre o Espírito Santo?

Não há como se relacionar corretamente com o Espírito Santo nem entender sua obra ou conhecer o maravilhoso trabalho que realiza em nossas almas sem primeiro conhecê-lo como pessoa.


A. Importância da Doutrina da Pessoalidade do Espírito Santo

Em primeiro lugar, a doutrina da pessoalidade do Espírito Santo é da mais alta importância para a adoração. Se o Espírito Santo é uma pessoa, e uma pessoa divina – como de fato é –, e nós não o conhecemos como tal, pensando que é apenas uma força ou uma influência impessoal (como acontece muito), então estamos roubando de uma pessoa divina a adoração que lhe é devida, o amor que lhe é devido, e a fé, a confiança, a entrega e a obediência que lhe são devidas.

Em segundo lugar, a doutrina da pessoalidade do Espírito Santo é da mais alta importância do ponto de vista prático. Se você pensa no Espírito Santo como uma mera influência ou força, então estará sempre perguntando: “Como posso apossar-me do Espírito Santo para poder usá-lo?” Ou: “Como posso conseguir mais do Espírito Santo?”

Mas se você o vê tal como a Bíblia o apresenta – uma pessoa de divina majestade e glória –, seu pensamento será: “Como o Espírito Santo poderá apossar-se de mim e usar-me?” “Como pode o Espírito Santo usufruir mais de mim?”

Se você vê o Espírito Santo como uma influência ou força a ser obtida e da qual se deve tirar proveito, no momento em que achar que já o recebeu, fatalmente se tornará orgulhoso, andará com altivez, como se fizesse parte de alguma elite cristã. Mas se, ao contrário, você vê o Espírito Santo segundo o conceito bíblico, como uma pessoa divina de infinita majestade que vem habitar em nossos corações, apossando-se de nós e nos usando segundo a sua vontade e não segundo a nossa – o resultado será a renúncia de si mesmo, o humilhar-se e a abnegação.

Não conheço nenhum pensamento que tenha mais poder para nos levar à humildade e à despretensão do que essa grande verdade bíblica, que nos apresenta o Espírito Santo como uma pessoa divina que vem habitar em nossos corações e tomar posse de nossas vidas para usá-las conforme aprouver à sua infinita sabedoria.

Em terceiro lugar, a doutrina da pessoalidade do Espírito Santo é da mais alta importância no que concerne à nossa experiência pessoal. Milhares, dezenas de milhares de cristãos, homens e mulheres, podem testemunhar da completa transformação de vida e de serviço a Deus que experimentaram depois que passaram a conhecer o Espírito Santo como uma pessoa.


B. Provas da Pessoalidade do Espírito Santo

Uma das provas da pessoalidade do Espírito Santo é que todas as marcas distintivas que caracterizam as pessoas são atribuídas a ele na Bíblia. Quais são essas marcas distintivas? Conhecimento, sentimento e vontade. Qualquer ser que conhece, sente e tem vontade é uma pessoa.

Quando se afirma que o Espírito Santo é uma pessoa, pode-se entender que se está querendo dizer que ele tem mãos e pés, olhos e ouvidos, nariz e boca. Não é nada disso. Essas não são, de forma alguma, marcas de pessoalidade; são evidências de substância corporal.

Qualquer ser que conheça, pense, sinta e exerça uma vontade é uma pessoa, quer tenha corpo, quer não tenha. Tanto eu como você, caso nossa vida aqui na Terra acabe antes da volta do Senhor, deixaremos de ter corpo, temporariamente; estaremos “ausentes do corpo” e habitando com o Senhor (2 Co 5.8). Entretanto, ainda assim seremos pessoas, mesmo sem corpo.

1- “Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito que nele está? Assim também as coisas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus” (1 Co 2.11). Aqui se revela como o conhecimento é atribuído ao Espírito Santo. Ele não é uma mera iluminação que vem à nossa mente, pela qual somos capacitados a conhecer a verdade que de outra forma não descobriríamos. O Espírito Santo é uma pessoa que conhece as coisas de Deus e nos revela o que ele próprio conhece.

2- “Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as como lhe apraz, a cada um, individualmente” (1 Co 12.11). Este verso mostra que o Espírito Santo não é meramente um poder divino – que podemos captar e usar de acordo com a nossa vontade –, mas sim uma pessoa divina. É ele que se apossa de nós e nos usa segundo sua vontade. Inúmeros cristãos honestos e bem-intencionados estão se equivocando nesse ponto. Querem apropriar-se de algum poder divino e usá-lo de acordo com seus desejos. Agradeço a Deus, do fundo do meu coração, pelo fato de não existir nenhum poder divino do qual eu possa me apropriar, para usar a meu talante. E fico ainda mais grato pelo fato de existir uma pessoa divina que pode apoderar-se de mim e usar-me segundo sua vontade, que é infinitamente mais sábia e amorosa.

3- “E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos” (Rm 8.27). Preste atenção nestas palavras: “a mente do Espírito”. A palavra grega aqui traduzida como “mente” é “phronema”, termo abrangente que engloba essas três idéias: conhecimento, sentimento e vontade. É a mesma palavra usada no verso 7 deste capítulo, que em uma versão foi traduzida como “pendor”, em outra como “inclinação”, em outra ainda como “desejo”: “O pendor (inclinação, desejo) da carne é inimizade contra Deus”. Ou seja, não apenas o pensamento da carne, mas toda a sua vida intelectual e moral é inimizade contra Deus.

4- “Rogo-vos, pois, irmãos, por nosso Senhor Jesus Cristo e também pelo amor do Espírito, que luteis juntamente comigo nas orações a Deus a meu favor” (Rm 15.30). Observe particularmente estas quatro palavras: “pelo amor do Espírito”. Que pensamento magnífico! Ele nos ensina que o Espírito Santo não é uma mera influência ou poder cego, ainda que bondoso, que entra em nossos corações e vidas. Pelo contrário, é uma pessoa divina, que nos ama com o mais terno amor.

Quantas pessoas, porventura, já agradeceram ao Espírito Santo por seu amor? Alguma vez, você já dobrou os joelhos, olhou para o Espírito Santo e orou: “Espírito Santo, eu te dou graças pelo teu grande amor por mim”? No entanto, nós devemos nossa salvação ao amor do Espírito, tanto quanto ao amor do Pai e do Filho.

Se não fosse o amor de Deus Pai, que lá do alto me viu atolado em minha perdição, sim, que se antecipou à minha queda e ruína e enviou seu próprio Filho para descer à Terra e morrer na cruz em meu lugar, hoje eu seria um homem perdido. Se não fosse pelo amor de Jesus Cristo, o Filho, que desceu a este mundo, por obediência ao Pai, e entregou sua vida em sacrifício perfeito, na cruz do Calvário, para que eu fosse salvo, hoje eu seria um homem perdido. Mas, também, se não fosse o amor do Espírito Santo por mim, que o fez descer a este mundo, em obediência ao Pai e ao Filho, para procurar-me diligentemente até me encontrar na minha perdição; para seguir-me dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano, sempre ao meu lado, mesmo quando eu ainda não o queria ouvir, quando eu deliberadamente voltava a cabeça para o outro lado, quando o insultava; para ir atrás de mim a lugares que lhe devem ter causado agonia em sua santidade, até que conseguisse abrir a minha mente e fazer-me compreender a minha miséria, minha condição totalmente perdida, e revelar o Senhor Jesus como meu Salvador e Senhor – se não fosse a paciência, a longanimidade, o inesgotável amor do Espírito de Deus por mim, eu hoje seria um homem perdido.

5- “E lhes concedeste o teu bom Espírito, para os ensinar; não lhes negaste para a boca o teu maná; e água lhes deste na sua sede” (Ne 9.20). Aqui, tanto a inteligência quanto a bondade são atribuídas ao Espírito Santo. Essa passagem não acrescenta nada ao que lemos antes, mas resolvi citá-la porque está no livro de Neemias, que pertence ao Velho Testamento. Há quem diga que a doutrina da pessoalidade do Espírito Santo está no Novo Testamento, mas não no Velho. Porém, aqui vemos claramente que está tanto em um como no outro. É claro que não vamos encontrar referências ao Espírito Santo com a mesma freqüência em ambos, porque o Novo Testamento é a dispensação do Espírito Santo, mas a doutrina de sua pessoalidade está também no Velho Testamento.

6- “E não entristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção” (Ef 4.30). Este versículo fala que podemos entristecer o Espírito Santo. Ele é uma pessoa que nos ama, uma pessoa santa, que é intensamente sensível ao pecado, que se horroriza com o pecado, mesmo naquelas formas que podemos achar menos nocivas. Ele vê tudo que fazemos, não somente à luz do dia, mas também nas trevas da noite. Ele ouve todas as palavras que proferimos, cada palavra ociosa que escapa dos nossos lábios. Ele vê cada pensamento que abrigamos em nossa mente, cada fantasia fugaz que deixamos ficar por um instante que seja em nosso interior. E se há alguma coisa ímpia, impura, vaidosa, impiedosa, imprópria, cruel, desagradável, amarga, irônica, crítica ou de alguma forma contrária à fé cristã, em pensamento, palavra ou obra, ele a vê, e isso o entristece inimaginavelmente.

Quantas vezes tem chegado à minha mente algum pensamento ou fantasia, cuja procedência desconheço, mas que não posso e não devo abrigar – e justamente quando já estava a ponto de acolhê-lo, veio o pensamento: “O Espírito Santo está vendo e ficará triste com isso”! Com essa intervenção, o pensamento foi embora.

Diante de tantas questões que surgem, e com as quais temos tanta dificuldade em lidar, esse pensamento do Espírito Santo nos ajudará a ter o comportamento correto em relação a elas. A condição é que desejemos mesmo a solução dele, e não fazer aquilo que nos agrade e, ao mesmo tempo, entristeça o Espírito Santo.

Extraído de “The Holy Spirit: Who He Is and What He Does” (O Espírito Santo: Quem Ele é e o Que Ele Faz), de R. A. Torrey

Fonte: Arauto da Sua Vinda, ano 24, n° 4, Julho/Agosto de 2006.

sexta-feira, junho 10, 2011

Pesquisa: O Crente e o Sexo (parte 2) - Vivências

Se você ainda não leu a parte 1: Fidelidade e Hábitos

Vivências  
 Cortes por grupos denominacionais, idade e gênero. 


De fato espanta o elevado número de cristãos que dizem ter feito sexo antes do casamento quando sabidamente a Igreja e mesmo grupos ligados à saúde defendem a abstinência. Mas devemos festejar os 49,93%, que fazem valer os princípios bíblicos e seguramente colhem frutos por isso.
  Magno Paganelli
Pastor, escritor, editor 
Arte Editorial

 

O fato que permeia a pesquisa é que a maneira como os evangélicos encaram o sexo antes no casamento está mudando.
  Johnny T. Bernardo
Apologista, escritor 
INPR Brasil - Instituto de Pesquisas Religiosas




NOTA

Pentecostais incluem todos os ministérios Assembleianos e outras denominações pentecostais (Quadrangular, Deus é Amor, etc.) Os neopentecostais incluem a Universal e suas dissidências (Internacional, Mundial, Mundial renovada, etc.) e outras neopentecostais (renascer, bola de neve, vida nova, etc.). Tradicionais incluem os reformados, os batistas, luteranos, metodistas e demais históricos. Outros são as respostas fora da classificação oferecida pelo instrumento de coleta de dados e ainda algumas minoritárias aqui agregadas neste corte específico, entre outras: Adventistas, igrejas em casa, desigrejados, emergentes e comunidades. Os conjuntos formados servem apenas a este corte, para qualificação denominacional dos respondentes ver Q2.
 
Pelo visto, o pessoal da confissão positiva está tomando posse da benção até fora de hora...
  Carlos Moreira
Pastor, escritor, teólogo 
Editor assistente do Genizah

 

56,07% fizeram o test-drive antes de se comprometerem perante Deus e os homens. Entre os neo-pentecostais o índice é ainda maior: 76,99%. Não se pode manter um discurso puritano ao extremo, fingindo que o problema não existe. Há que se dialogar abertamente com os jovens enamorados quanto aos riscos de uma vida sexual pré-marital.
  Bispo Hermes Fernandes
Escritor, compositor, teólogo 
Líder da Reina


A liderança da igreja está falhando em tudo nesta matéria. De maneira geral, não está preparada para tratar a questão e, quando está, a evita.  A orientação bíblica relativa ao sexo chega aos casais cristãos de forma truncada e poluída. Quando chega! Sobram costumes, achismos, hipocrisia. O resultado é que é o crente anda sem a proteção da Palavra nesta matéria, o resultado está ai.
Cláudio Duarte
Pastor e conferencista 
Batista

 

O intercurso sexual, entre seres criados à imagem e semelhança de Deus, deve ser regido pelo respeito à dignidade humana. Não podemos usar pessoas. Somos responsáveis por quem cativamos.  
 Antônio Carlos Costa
Pastor, teólogo Calvinista
Presidente do Rio de Paz

Igreja Presbiteriana



 

O propósito destes cortes é verificar se o tempo de matrimônio e / ou o tempo de evangelho afetam a ocorrência. Alguns poderiam imaginar que os casamentos mais antigos guardam valores mais tradicionais, incluindo o estudado. Não é o que se verifica neste caso. Já o tempo de evangelho é um fator decisivo. Limites superiores  aos 7 anos de maturidade na fé tendem a produzir resultados mais conservadores.                          
Danilo Fernandes
Survey Director
Profissional de Marketing
Editor do site Genizah

 

Claro que a liberalização dos costumes tem também a ver com os resultados  da pesquisa. Mas sou propenso a acreditar que as coisas devem ter sido sempre assim, porque regra geral o sexo é tratado como tabu dentro das igrejas, com algumas exceções. Até mesmo entre as famílias os pais ainda têm dificuldade de tratar do tema com os filhos. Ou seja, o ensino sobre a vida conjugal e sexual na maioria dos casos não faz parte da homilia pastoral. O que eventualmente acontece é promover um encontro de casais aqui outro acolá e tudo fica por isso mesmo. Regra geral, os crentes são tratados como "massa" e esquecidos em suas particularidades.
 Geremias do Couto

Jornalista, escritor e conferencista
 
My Hope Project da Associação Evangelística Billy Graham.

Assembléia de Deus

 Os dados secundários a seguir - fonte Ministério da Saúde - balizam os indicadores desta pesquisa referentes ao comportamento homossexual de evangélicos dentro da ocorrência média da população total, com suaves nuances. Os homens evangélicos casados  apresentam ocorrência de experiência homossexual ligeiramente superior a média da população geral - 10% -, mas dentro da margem de erro das duas pesquisas de maneira que se encontram dentro do perfil populacional brasileiro. Já as evangélicas casadas e solteiras se encontram em patamar inferior no que diz respeito a esta ocorrência.
Na população geral, 5,2%, entre as evangélicas casadas 3,7%., nas solteiras 4%.  Finalmente, é importante lembrar que a questão se refere a uma experiência ou mais, em qualquer momento da vida - como também formulada na pesquisa do Ministério da Saúde. Portanto, não explicita se esta experiência ocorreu antes ou depois da conversão ao Evangelho e nem tão pouco indica relacionamento homossexual atual. Esta última questão é  aferida no gráfico 15, para o qual não existem dados secundários comparativos.
Danilo Fernandes
Survey Director
Profissional de Marketing
Editor do site Genizah


Nosso comportamento é hipócrita e danoso: a mesma incapacidade que nosso moralismo tem para gerar gente santa reverte-se em dinamite na produção de esquizofrênicos. Idealizamos o sexo como pecado, o monstro trancado na gaiola, quando ele escapa, e quase sempre escapa, não sobre nada.
Marcelo Lemos
Pastor e teólogo
Igreja Angllicana Reformada
 
Os resultados da pesquisa mostram a distância abismal entre o discurso e a prática do evangelicalismo brasileiro. Vivemos uma 'fé' infoxicada, ou seja, é intoxicada pelo excesso de informação. Temos muita informação, mas pouco conhecimento que leve transformação à vida prática. 'O rei está nu.
Alan Brizotti
Pastor, teólogo, conferencista
Assembléia de Deus

Fonte:
http://www.genizahvirtual.com/2011/05/o-crente-e-o-sexo-pesquisa-parte-2.html#ixzz1OsTfKkfw

quarta-feira, junho 08, 2011

Pode o homem cooperar com sua salvação?

Por Raniere Oliveira

A cada ano verifica-se o quanto a Igreja está se distanciando das “Antigas Doutrinas da Graça”, tão caras e defendidas pelo apóstolo Paulo, Agostinho de Hipona, os reformadores Lutero e Calvino, George Whitefield, David Brainerd, William Carey (pai das missões modernas), J. I. Packer, John Stott; e, porque não citar também, o “incansável defensor da fé evangélica, o Arcebispo Thomas Bradwardine de Canterbury, durante o século 14” e tantos outro(a)s.

Confira em sua Bíblia o que nos diz Oséias.4:6. Talvez parte deste afastamento e falta de conhecimento se deva a uma influência pragmática em que o valor está no resultado que dá certo, mesmo que não seja correto; e mesmo uma filosofia relativista onde o “homem é a medida de todas as coisas” (Protágoras-481 a.C.).

Vivenciamos uma triste realidade em que já não vemos e ouvimos em nossas Igrejas doutrinas tais como “pecado original”, “depravação total”, “graça”, “juízo final”, “justificação pela fé”, “soberania divina”,... Mas, ao invés de tais ensinos bíblicos, somos obrigados a ver o povo deixando-se iludir por sermões sobre “vida cristã” com apelos emocionalistas, inúmeras estórias, testemunhos e nenhuma doutrina. Nada de ensino expositivo. Acarretando no fato desses membros necessitarem de mais e mais “alimento” pois não ficam nutridos e satisfeitos com o “feno e a palha” que lhes são oferecidos. Ou seja, eles estão indo cada vez mais ao “shopping” da fé, dia após dia, semana após semana atrás de “ventos de doutrinas” e “ensinos de demônios”, tornando-se assim presas fáceis de embusteiros e profissionais da fé. Sem contar que ficam expostos a vendas de ilusões como apregoadas pela pretensa “teologia da prosperidade” e um “neo-pentecostalismo” que se assemelha mais com cultos espíritas.

E considerando que nossa Diocese, este ano, tenha escolhido o tema: “2004 – Ano do Evangelismo: Convertidos em Cristo, Edificando a Igreja, Transformando o Mundo”, penso que a doutrina bíblica e reformada da DEPRAVAÇÃO TOTAL deve estar no cerne de nossas mensagens, pois, com certeza, como a entendemos e cremos irá influenciar no método que utilizaremos para a evangelização.

Façamos a seguinte pergunta: Pode o homem cooperar com Deus em sua salvação? Se a resposta é sim, então podemos admitir que o propósito de Deus em salvar o homem pode ser frustrado. Mas, se a resposta é não, compreenderemos melhor o conceito de Graça e a razão do porque somente através dela somos salvos, uma vez que “Ele (Deus) nos deu vida, estando nós mortos nos nossos delitos e pecados” (Ef.2:1).

A Bíblia e todas as Confissões de Fé Reformadas são unânimes em afirmar que, depois da Queda, todo homem (no sentido de humanidade de acordo com Gn.1:26-27) tornou-se INCAPAZ de querer qualquer bem espiritual que agrade a Deus. Significando que este homem não possui mais nenhuma disposição (LIVRE-ARBÍTRIO) de voltar-se, por si mesmo, à comunhão com Seu Criador, pois devido ao pecado original, esse homem “não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucuras; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente” (I Co.2:14).

Quem reflete muito bem isso é Charles Spurgeon, mais conhecido como “O Príncipe dos Pregadores”; quando afirma: “a liberdade não pode pertencer ao arbítrio como a ponderação não pode pertencer à eletricidade... Podemos crer em agente livre, porém o livre-arbítrio é simplesmente ridículo”.

Logo, o homem após a Queda não perdeu sua capacidade de fazer coisas boas, de fazer escolhas como uma profissão, o time que deve torcer, optar em ser honesto, altruísta etc. Contudo, nenhuma dessas coisas tem mérito em si mesmas, quando se deveria buscar sempre a Glória de Deus. Assim, tudo isso se torna apenas aspecto secundário da vida humana. O homem permaneceu responsável pelos seus atos, mas está escravo do pecado rejeitando a Deus e tudo o que é do Seu agrado e Louvor. Devemos urgentemente, “enquanto é dia” (Jo.9:4), retornar para essa sã doutrina, que resulta de acurada e apropriada teologia bíblica.

O procedimento metodológico aqui adotado, nada mais é, que minha confessionalidade nas Sagradas Escrituras como Palavra de Deus autoritativa e infalível em seus ensinos numa linguagem humana (II Tm.3:16), bem como nos XXXIX Artigos de Religião e demais Confissões Reformadas, limitando-as em seu valor e autoridade só até onde confirmem o ensino bíblico.

Sei o quanto essa doutrina tem gerado acalorados debates ao longo da História do Cristianismo, vide, por exemplo, Agostinho de Hipona e Pelágio, Lutero e Erasmo de Roterdã, Calvinistas e Arminianos (Sínodo de Dort). Contudo, não tenho a pretensão de pormenorizar cada ponto, muito menos esgotar esse assunto e ter assim a última palavra.

Meu objetivo principal é promover um pouco de esclarecimento bíblico ao Povo de Deus em nossa DAR, considerando que somos uma Igreja que se confessa Reformada. Portanto, daí o desafio de resgatarmos as doutrinas reformadas, num momento particular em que estamos enfrentando, a ponto de a Palavra de Deus começar a ser minimizada, questionada e reduzida num meio de um “areópago” de ensinos humanos e em meio a uma “Babel” de linguagens desconstrucionistas, conflitantes e refém do pensamento do século (Cl.2:8).


I – A SITUAÇÃO DO HOMEM ANTES DA QUEDA

Após ter Deus realizado a magnífica obra da Sua Criação, conforme o registro em Gn.1:1-25, resolveu que o Jardim do Éden, e tudo mais, deveria ser desfrutado e governado por uma criatura, cuja criação deveria ser à Sua Imagem e Semelhança, possuindo tanto a capacidade de escolher como viver a verdadeira liberdade.

Santo Agostinho afirmou que esse homem fora criado, posse non peccare, ou seja, capaz de não pecar. O homem assim veio a existir no tempo e na história, em um estado de integridade, como nos revela o Sábio em Eclesiastes.7:29 quando nos diz: “Deus fez o homem reto...”. Portanto, podemos concordar com o ensino claro da Escritura que o homem foi criado de forma perfeita em termos morais, e isso é ratificado pela Confissão de Fé de Westminster no capítulo IV – Da Criação – seção II:

“Depois de haver feito as outras criaturas, Deus criou o homem, macho e fêmea, com almas racionais e imortais, e dotou-os de inteligência, retidão e perfeita santidade, segundo sua própria imagem, tendo a Lei de Deus escrita em seus corações e o poder de cumpri-la, mas com a possibilidade de transgredi-la, sendo deixados à liberdade de sua própria vontade, que era mutável. Além dessa lei escrita em seus corações o preceito de não comerem da árvore da ciência do bem e do mal; enquanto obedeceram a este preceito, foram felizes em sua comunhão com Deus e tiveram domínio sobre as criaturas”.


Como uma criatura distinta das demais, tendo em vista que o homem foi considerado coroa dessa criação, o mesmo era dotado de capacidade de fazer escolhas, como também, nesse sentido, de fazê-las certas. Como bem disse certa ocasião um teólogo reformado: “assim o homem, naquela época, possuía a verdadeira liberdade, mas não era ainda a perfeita liberdade”. Isso decorrente do fato dele poder cair em pecado.

Vamos conferir novamente o que nos dia a CFW no capítulo IX – DO LIVRE-ARBÍTRIO – Seção I:

“Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade natural, que ela nem é forçada para o bem nem para o mal, nem a isso é determinada por qualquer necessidade absoluta de sua natureza”.


E ainda na Seção II:

“O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente, de sorte que pudesse cair dessa liberdade e poder”.


Entendemos que o homem estava completamente, antes da Queda, com suas faculdades de capacidade do livre-arbítrio, ou seja, vivia em plena comunhão com Deus que o visitava “no Jardim pela viração do dia” (Gn 3:8). Este homem podia conhece-lo e amá-lo, porque tudo o que fazia e pensava era para a Glória de Deus.

Vejamos ainda o que nos diz o Catecismo de Heidelberg, no Domingo 3 e resposta 6:

“Mas Deus criou o homem tão mau e perverso? Não, Deus criou o homem bom e à Sua imagem, isto é, em verdadeira justiça e santidade para conhecer corretamente a Deus, seu Criador, amá-lo de todo o coração e viver com ele em eterna felicidade, para louvá-Lo e glorificá-Lo”.


No Jardim do Éden o homem estava com toda sua plena dignidade estabelecida, cujo principal propósito era todo bem espiritual e moral que agradasse a Deus. Ele gozava de total capacidade imaculada, que chamamos de livre-arbítrio, pois era perfeito para o bem espiritual.


II – A SITUAÇÃO DO HOMEM APÓS A QUEDA

Como vimos acima, a liberdade e o poder de querer do homem de fazer aquilo que era agradável a Deus, mas tal liberdade era passível de mudar se assim o quisesse. Foi justamente o que ocorreu. O homem atraído e enganado pela serpente escolheu desobedecer a Deus, pois Satanás tentou o homem a ponto do mesmo desejar ser igual ao seu Criador, e aí se deixou iludir-se pela voz da serpente que disse: Porque Deus sabe que no dia em que dele (o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal) comerdes se abrirão vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo do bem e do mal (Gn.3:5). O resultado foi uma verdadeira tragédia para toda a humanidade. Conforme vimos na advertência de Deus em Gn.2:16-17, a raça humana recebeu como conseqüência deste pecado de Adão e Eva, a morte espiritual e física, bem como, a perda daquela capacidade (o livre-arbítrio) de querer fazer o bem e tudo que era agradável a Deus. Dessa forma, ele se corrompeu totalmente.

Esse homem, agora após sua queda e por conta do pecado original, se tornou incapaz de querer a Deus. Na verdade, nos porões de seu íntimo, O rejeita deliberadamente, pois prefere agora escolher o pecado, pois é seu senhor. E assim, neste estado de DEPRAVAÇÃO TOTAL, “não é capaz de não pecar”.

O próprio Senhor Jesus Cristo atesta isso quando afirmou aos judeus que discutiam com ele acerca de jamais terem sido escravos de alguém, que “todo que comete pecado é escravo do pecado” (Jo.8:34).

O Catecismo de Heidelberg sintetiza essa situação, no Domingo 3 resposta 7, com essas palavras:

“De onde vem, então, essa natureza corrompida do homem? Da queda e da desobediência de nossos primeiros pais, Adão e Eva, no paraíso. Ali, nossa natureza tornou-se tão envenenada, que todos nós somos concebidos e nascidos em pecado”.


Isso é confirmado pelo apóstolo Paulo em Rm.5:12 quando nos ensina que: “Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram”.

Vejamos ainda a CFW em seu Capítulo VI e Seção II:


“Por este pecado eles decaíram de sua retidão original e da comunhão com Deus, e assim se tornaram mortos em pecado e inteiramente corrompidos em todas as faculdades e partes do corpo e da alma”.


Assim, após a Queda, o homem ao invés de preferir servir e obedecer a Deus, na verdade, se encontra “morto em seus delitos e pecados” (Ef.2:2-3). E é isso que a teologia reformada denomina de DEPRAVAÇÃO TOTAL. Não possui mais o livre-arbítrio para fazer a vontade de Deus porque está morto espiritualmente, como Lázaro que estava morto com seus pés e mãos atados e sepultado há três dias no túmulo, da mesma forma está toda a humanidade.

Vejamos o que nos ensina o Artigo X de nossos XXXIX Artigos de Religião:

“A condição do homem depois da queda de Adão e Eva é tal que ele não pode converter-se e preparar-se a si mesmo, por sua própria força natural e boas obras, para a fé e invocação a Deus. Portanto, não temos o poder de fazer boas obras agradáveis e aceitáveis a Deus, sem que a graça de Deus por Jesus Cristo nos preceda, para que tenhamos boa vontade, e coopere conosco enquanto temos essa boa vontade”.


Observem essa declaração contundente do Dr. Martyn Lloyd-Jones acerca da DEPRAVAÇÃO HUMANA, resultante da Queda:

“Por que é que o homem sempre escolhe pecar? A resposta é que o homem abandonou a Deus, e como resultado, toda a sua natureza tornou-se depravada e pecaminosa. Toda a tendência do homem está distante de Deus. Por natureza, ele odeia a Deus e sente que Deus é contrário a ele. Ele é seu próprio deus, sua própria capacidade e poder, seu próprio desejo. Ele contesta toda a idéia de Deus e as exigências que Deus coloca sobre ele... Além disso, o homem gosta das coisas que Deus proibiu e as cobiça, e não gosta das coisas e do tipo de vida para as quais Deus o chama. Essas não são meras afirmações dogmáticas. São fatos... Eles por si só explicam a desordem moral e a feiúra que caracterizam a vida atual em tamanha extensão”.


Não deixe de conferir o que Paulo nos ensina em Rm.3:10-19 e Ef.2:1-3, sobre a condição do homem após a queda, e responda as seguintes questões: Como um morto pode arrepender-se por si mesmo e crer? Como pode o homem, cujos sentidos espirituais estão em trevas, compreender e decidir-se por Cristo Jesus? Qual homem consegue cumprir e amar o sumário da Lei conforme Lucas 10:27?


CONCLUSÃO

Como pudemos observar, todo o ensino bíblico e reformado, apontam claramente para um homem que perdeu, após a Queda, a condição e capacidade de, por ele mesmo, poder voltar-se para Deus. Todavia, necessita de uma intervenção do próprio Deus para “os que predestinou, a esses também justificou, e aos que justificou, a esses também glorificou” (Rm 8:30).

Lutero e Calvino sempre ensinaram e se preocuparam em enfatizar essa doutrina, de que o homem decaído está totalmente escravo do pecado, pois perdera a verdadeira liberdade, não podendo converter-se a Deus desempenhando um papel ativo (cooperando) no processo que o conduz a salvação.

Jesus Cristo afirmou certa vez que “não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo.5:40). Sabe por que? “A luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más. Pois todo aquele que pratica o mal, aborrece a luz” (Jo.3:19-20). O ensino bíblico é que arrependimento e fé não podem ser produzidos por um coração corrompido, pois somente “pela graça somos salvos, por meio da fé; e isto não vem de nós, é dom de Deus” (Ef 2:8).

Portanto, se o Espírito Santo não agir eficazmente no coração e mente desse homem corrompido, vivificando-o e regenerando-o, ele jamais se arrependerá sozinho de seus pecados, reconhecendo o sacrifício expiatório e vicário de Jesus Cristo.

Gosto muito dessa afirmação de feita pelo grande expositor bíblico, Dr. Martyn Lloyd-Jones já citado anteriormente: “O pecador não se decide por Cristo”, mas ele “foge para Cristo em total desamparo e desespero, clamando por misericórdia: ‘Converte-me e serei convertido, porque tu és o Senhor meu Deus’ (Jr.31:18). É como alguém que está se afogando e não simplesmente se “decide” pegar a corda que o salvará, mas agarra-se a ela pois é a única escapatória, a única esperança. ‘Decidir-se por Cristo’ é uma expressão imprópria”.

Não nos enganemos quanto ao verdadeiro estado espiritual e natureza humana. Porque estando o homem morto em seus delitos e pecados, não será persuadido com retórica eloqüente, muito menos por apelos emotivos (e o que preocupa hoje é justamente isso, muita gente “convencida” e “massageada em seu ego”, e nunca convertidas realmente), uma vez que será única e plenamente através de Deus que o homem irá “abrir seu coração” para atender a mensagem do Evangelho, como no caso de Lídia em At.16:14.

Mas como bem afirmou Charles Spurgeon: “A graça de Deus não viola a vontade humana, mas triunfa docemente sobre ela” (Fp.2:13).

Busquemos aprender quanto a teologia reformada tem a nos oferecer, com doutrinas cujas raízes são reveladas na Sagrada Palavra de nosso Deus.

Só a Deus Toda Glória!

Fonte: Bereianos