O Artigo abaixo pode ser lido no site do próprio autor, Caleidoscópio. Encontrei o artigo porque fui convidado para falar para jovens e adolescentes sobre o "valer a pena" e gostei do conceito que o autor descreve.
Viver não vale a pena
Por Paulo Angelim - Edição de 10/8/2004 - Ano IV - No. 232 Tenho certeza que viver não vale a pena. É isso mesmo. Você já deve ter usado várias vezes essa expressão: “vale a pena”. Não sei ao certo se já parou para pensar, mas, todas as vezes que a usa, você quer dizer que apesar do sacrifício, do esforço, do castigo, da pena ou preço, o que você fez foi válido, ou valioso. Você quer dizer que o fim foi bom, proveitoso, apesar do meio ter sido sofrido e penoso.
Se “valer a pena” é isso (pagar um preço ou castigo, uma pena), então não concordo que viver vale a pena. Pelo simples fato de que não consigo enxergar que tenhamos que pagar algo para vivermos. Não consigo enxergar que os aprendizados da vida, aos quais alguns chamam de sofrimento, esforço, dor ou sacrifício sejam encarados como uma pena a ser paga para que vivamos. Aceitar isso é como dizer: apesar de toda a pena que tenho que sofrer, ainda assim viver é válido. Ora, viver é bom. Simplesmente isso!
Quando você reconhece que o dom da vida não é um mérito seu, algo que você tenha conseguido construir a partir de suas próprias capacidades, passa a aceitar todas as coisas que lhe ocorrem como dádivas, como oportunidades para o crescimento. É tudo uma questão de perspectiva, de visão de futuro. Se seu objetivo é crescer, amadurecer, acredite: tudo na vida concorre para isso. Nada do que se passa com você ou comigo é desperdício, muito menos um castigo. Mesmo que esteja falando do pior: a morte de meus filhos, ou de entes queridos.
A vida e o mundo têm sua ordem e leis estabelecidas. Pense bem: o que de pior pode ocorrer a você ou a alguém que você ama? A morte, certo? Mas diga-me: por que mesmo sabendo que ela é inexorável e imprevisível, ainda assim a lamentamos? Pense noutra coisa: se você não tivesse como entrar em um show para ver um certo artista que você queria muito, muito assistir, e alguém chegasse e lhe permitisse entrar, mas com a condição que você teria que sair antes do final, e que o tempo que você passaria lá dentro seria determinado por ele, você entraria? Certamente você não desperdiçaria a chance de passar alguns minutinhos mínimos desfrutando da presença daquele artista. E sabe mais, seria grato àquele que lhe concedeu essa oportunidade, mesmo que fosse por pouco tempo.
Pois em que isso difere da vida? Você foi trazido ao mundo por força e empenho de outros, lhe foi dada a chance de desfrutar de todas as coisas maravilhosas que Deus proporciona liberalmente, e ainda foi lhe dada a certeza que tal dádiva tinha tempo restrito, mas indefinido. Ora mais, então por que você não aproveita tudo aquilo que a vida nos proporciona sem nos cobrar preço algum? Ah, você acha que não existem coisas na vida que não tenham preço, mas só prazer? Pois diga-me: qual a pena que precisa ser paga para que você pare e contemple o nascer e se pôr do astro-rei? Quanto custa um banho de chuva? Qual o sacrifício para encostar seu carro e se deslumbrar com uma gigantesca e cintilante lua que surge em uma noite negra? Qual o preço para curtir uma criança brincando, um casal se beijando, um casal de velhos passeando de mãos dadas? Qual a dor que significa compartilhar das experiências vividas por seus amigos e parentes, através de uma boa e rica conversa? Que grande esforço é preciso, se não o de vencer o próprio orgulho, para você alcançar o amor que pode estar por trás de um sorriso e abraço amigo? Acredite, nada disso exige sacrifícios, nada disso exige uma pena para ser alcançada. E isso tudo é que realmente é vida. A vida é boa, sem pena alguma. Basta que você encontre a simplicidade de viver.
Basta que você entenda que nós é que nos impomos, dentro de uma lógica tirana de conquistas pessoais, uma série de exigências, muito acima de nossas possibilidades, e que acabam por se tornar um fardo difícil de ser carregado, uma pena a ser cumprida. Nada disso seria necessário se nos dispuséssemos a simplesmente viver, contemplar o belo já colocado à nossa disposição, como dádiva do céu, sem qualquer preço.
Não tenho nada contra conquistas que tenham valido a pena por causa do preço que foi necessário ser pago para alcançá-las.
- A vista do topo da montanha, depois de uma escalada íngrime e cansativa;
- O abraço amoroso depois de meses de solidão e afastamento, por causa de um curso ou emprego em outra cidade;
- O nome na lista de aprovados no vestibular, depois de um ano inteiro de renúncias;
- As noites em claro ao lado do filho enfermo;
- O sucesso profissional depois de estágios intermináveis e escravizantes;
- O cargo tão almejado, depois de anos de dedicação e esforço.
Mais uma vez afirmo, nada contra!
O problema está em que, hoje em dia, existe uma verdadeira ditadura do “valer a pena”. Por essa lógica, as coisas verdadeiramente valiosas precisam ter uma pena a ser paga. Afinal, pena é isso: castigo, sentença, punição. Assim, se não existir o esforço, a dor, o sofrimento para conquistá-las, então “não vale”, foi fácil demais. Pois bem, essa lógica acaba por nos levar a ignorar e desvalorizar o simples, o contemplativo. Afinal, o simples não demanda um preço alto, e por isso não deve ser valioso. Parece que o que não exige uma pena a ser paga não tem tanto valor quanto aquilo que exige um esforço para ser alcançado. Paradoxalmente, parece não valer a pena aquilo que não impõe uma pena. Existem até adágios para reforçar a filosofia: “vencer sem luta é vencer sem glória”. Ora mais, por quê? Qual o problema de vencer naturalmente, harmonicamente, singelamente, sem precisar de lutas ou castigos? Por que não existe glória nessa vitória? Por que não vale assistir a vitória fácil de um time, de um atleta ou de um piloto? É sem graça, monótona? Por quê?
Infelizmente o mundo vive em busca de heróis que possam ser seguidos e admirados. Pessoas que fizeram suas vidas valerem a pena por causa das barreiras que precisaram superar, para chegar onde outros chegaram sem um décimo dessas barreiras.
Agindo assim, perdemos a capacidade de curtir o que a vida tem de melhor para nos dar, algo que não exige alto preço, ou até mesmo preço algum. Não paramos e nos aquietamos, afinal isso se contrapõem à lógica velocista do mundo contemporâneo, ou pós-moderno, medido em milisegundos cibernéticos. Como o que é bom tem que valer a pena, damos as costas a escutar o inaudível, a enxergar o invisível, a tocar o impalpável. Afinal tais conquistas requerem a ausência de esforço. Na verdade, requerem um esforço incompreendido em tempos de alta velocidade. Elas requerem o parar e se entregar às delícias da viagem em direção ao fundo da alma, ao encontro da essência de Deus. “Mas, como está escrito: nem com olhos se viu, nem com ouvidos se ouviu, nem jamais penetrou em coração humano, o que Deus tem preparado para aqueles que O amam.” (1 Co 2:9).
Não, parar para tudo isso não vale a pena. Não se justifica gastar nosso tempo para receber em troca algo que somente vai alcançar nossa alma. Não, não queremos correr o risco de encontrarmos a nós mesmos em uma dessas viagens do espírito.
Queremos esportes radicais, ralis e descidas de cachoeira, que mexam com a nossa adrenalina. Queremos o movimento frenético da Bolsa de Valores, o stress do trânsito, a mesa empilhada de papéis, se não, não terá valido a pena. Queremos o produto novo, da moda, para vencermos o colega em posses materiais, e demonstrarmos insanamente nosso sucesso, mesmo que isso signifique comprometer as coisas básicas. Emoção para o mundo é movimento, é ritmo. Na lógica do mundo a estética e o belo não estão no silêncio, na contemplação. Eles estão naquilo que é alcançado com o esforço, com a dor e sofrimento, com um preço, se possível alto. Afinal, para eles, a vida tem que valer a pena.
E assim, as pessoas vão se distanciando cada vez mais do simples, do puro, do encontro das almas. Acredite, você até pode se dobrar a tudo isso que a cultura moderna impõe, mas saiba que não é necessário nada disso para se viver bem, para construir uma vida valiosa, para simplesmente ser você. Acredite, você não precisará pena alguma para viver sua vida, desde que acredite que tudo que recebeu é dom gratuito, e acima do que você merece. Por isso, contemple o belo, o simples, o puro, o amor, e VIVA. Viver é bom. Viver não vale a pena. Viver simplesmente vale!
Compromisso de hoje: Vou viver a simplicidade da vida, e fazê-la uma vida de valor.
Abraços, bênçãos e SUCESSO!
Paulo Angelim
Consultor e Palestrante nacional em Marketing, Vendas e Motivação