segunda-feira, novembro 07, 2011

A parábola do açude

Por Reinaldo Bui

Havia um homem muito bondoso, senhor de muitas terras que prezava muito pela vida dos trabalhadores que viviam em sua fazenda. Nela havia um açude que ele mesmo construíra e zelava para que ninguém nadasse, pescasse ou mesmo se aproximasse do local. Desde antes de sua construção, ele dizia: Este açude será para o benefício de todos os trabalhadores e seus familiares, portanto, devemos cuidar dele como se nossa vida e de nossos filhos dependessem disto.

Um dia o senhor da fazenda precisou fazer uma longa viagem. Preocupado com a segurança do açude, esquadrinhou um jeito de preservá-lo seguro dos invasores. Ao invés de construir uma grande muralha ao seu redor, ele pensou em simplesmente espalhar alguns avisos de “proibido pisar na grama” ao longo da área gramada que cercava a beira do açude, além de ter alertado os moradores mais próximos para que o vigiasse. Ele acreditava que estas medidas eram suficientes para a boa proteção do açude. Então ele partiu.

A geração mais velha obedecia sem problemas às orientações do seu senhor. Todavia os mais novos logo começaram a questionar sobre o porquê de não poderem utilizar o açude para se refrescar. Muitos eram seus argumentos: Não faz sentido ter um açude como este se não podemos desfrutar. Quando o senhor construiu este açude, ele mesmo disse que seria para nosso benefício. Por que, então, não podemos nadar? É um desperdício! Ele não nos quer bem? Não quer que sejamos felizes? Quer nos privar do prazer de nos refrescarmos nestes dias quentes de verão? Será que ele não quer dificultar nosso direito de nos exercitarmos e dedicarmos tempo de qualidade com nossos familiares e amigos? Outros ainda se aprofundavam mais em seus argumentos e “reinterpretavam” as ordens do senhor da fazenda. Eles diziam que a ordem do senhor fazia sentido na época em que o açude foi construído, mas que agora os tempos eram outros, que esta nova geração é mais pró-ativa, exigente e não se contenta com um simples não. Eles também argumentavam que o fato dele simplesmente ter colocado alguns alertas para não pisar na grama era um insulto à inteligência deles, pois conheciam meios de chegaram à água sem pisar na grama. Ademais, muitos falavam que o significado daqueles alertas não se relacionava com a proibição de nadar no açude. Para eles, estragar o gramado era o real motivo destes alertas.

Apesar da acirrada insistência dos mais velhos em defender a ordem do senhor, seus argumentos pareciam fracos demais diante da jovial maioria, que ecoavam: Mas o senhor não quer... O senhor não quer.

A pressão dos favoráveis à liberação do açude ao público crescia a cada dia, e entre centenas de inconformados, uma pessoa tomou a iniciativa corajosa, inteligente e estratégica de construir uma passarela de pedras para que todos os interessados pudessem ter livre acesso às águas convidativas e refrescantes daquele intocável açude. E ela mesma deu o mergulho pioneiro. Diante do olhar estupefato de todos os que assistiam ainda de longe, esta pessoa nadava de um lado para o outro, floreando a atitude desbravadora. Esta foi a notícia do dia; todos só comentavam sobre a bravura, coragem e determinação daquela pessoa. No dia seguinte, mais algumas pessoas se juntaram a ela. Depois outras tantas, e mais tantas, e mais... Até chegarem ao ponto de não se ouvir mais comentários sobre aquela velha e ridícula proibição de não poder desfrutar daquela “benção” que o senhor construiu para eles.

O açude era o local para diversão de todas as famílias. Elas faziam piquenique e lavavam seus pratos e talheres naquelas águas. Entravam no açude para usá-lo como banheiro para si e seus animais de estimação. A garotada, em especial, esbaldava-se toda no futebol antes de darem aquele mergulho refrescante. Aqueles avisos de proibido pisar na grama já nem eram mais observados.

Quase todos estavam felizes. Os mais velhos ainda lamentavam, calados e indignados pela tamanha desobediência. Já nada falavam por medo de represálias ou por não quererem passar mais pelo constrangimento de serem tachados de retrógrados, radicais, bitolados, ridículos e ultrapassados.

Alguns meses depois algumas crianças começaram a adoecer e tragicamente três morreram numa mesma semana. Os mais velhos, aqueles que não entraram no açude, também adoeceram. Entre os jovens, haviam aqueles que usavam sua eloquência para transmitir uma sabedoria que nenhum deles realmente tinha. Eles diziam que o fato dos mais velhos terem igualmente adoecido, provava que a curtição no açude não estava relacionada com os recentes problemas de saúde. De fato, eles procuravam justificativas para aplacar suas consciências.
Alguns destes obedientes velhinhos também estavam morrendo em decorrência da doença. A cada um que era sepultado, todos diziam: Estava velho, havia chegado sua hora...

Depois foi a vez dos jovens e adultos. Muitos foram hospitalizados, medicados, mas alguns não resistiram e também faleceram. Os que ficavam já não tinham mais vigor para trabalhar e aquela fazenda que sempre fora muito produtiva e bem cuidada começou a definhar.

Após um ano fora de casa, o senhor, no caminho para sua fazenda, percebeu que alguma coisa estava errada. Ao chegar,um bom trabalhador de sua fazenda, esbaforido, logo relata para ele sobre a epidemia que se abatera por lá. Então o senhor lhe fez a seguinte pergunta: Vocês entraram no açude que eu ordenei que não entrassem? O trabalhador respondeu: Não vimos nada de mal nisto, senhor. Além do mais, é pouco provável que esta epidemia seja por causa dele... Estamos achando que é a água da torneira de nossas casas que está contaminada. O senhor logo replicou: Seguramente você está certo quanto à contaminação das águas das torneiras, mas absolutamente errado em não encontrar problema na desobediência de terem entrado no açude. Eu o construí para que fosse o manancial que abastece todas as residências desta fazenda.

Assustado com a resposta, o empregado perguntou ao chefe o porquê dele nunca ter revelado essa tão importante informação. Em sua resposta, o senhor da fazenda lhe perguntou: Por que vocês simplesmente não obedeceram minhas ordens? Sou eu quem deve dar satisfação a vocês do que é meu e como eu quero que seja feito?

Moral da história:
Questionar e racionalizar ordens e orientações do nosso Senhor pode trazer conseqüências desastrosas para todos nós.

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