Por Thomas Tronco
O recente tsunami no Japão mais uma vez levantou a questão: onde estava Deus na hora da tragédia? Essa pergunta ecoa todas as vezes em que tragédias ocorrem. Se estoura uma guerra, “onde estava Deus que não a impediu?”. Se barrancos desabam sobre as casas, “por que Deus permitiu tal coisa?”. Se um terremoto devasta uma região ou até um país, “como pode um Deus bom existir se coisas ruins acontecem?”.
A questão é antiga. O profeta Habacuque se viu diante desse dilema. Os israelitas estavam sob o prenunciado juízo de Deus. O Senhor, que durante séculos avisou, repreendeu e aguardou com paciência pelo arrependimento do povo, finalmente enviou a eles a devida consequência do seu pecado. Entretanto, o fez pelas mãos de um povo cruel que agiu com injustiça. Assim eles são descritos: “Pois eis que suscito os caldeus, nação amarga e impetuosa [...] Eles são pavorosos e terríveis, e criam eles mesmos o seu direito e a sua dignidade” (Hc 1.6,7). Se essa descrição não deixa claro que o “direito” e a “dignidade” que os babilônicos criavam eram bem “questionáveis”, o v.9 arremata a questão afirmando: “Eles todos vêm para fazer violência”. Diante disso, a pergunta de Habacuque a Deus soa de maneira muito natural aos olhos humanos: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar; por que, pois, toleras os que procedem perfidamente e te calas quando o perverso devora aquele que é mais justo do que ele?” (Hc 1.13).
O medo de Habacuque, ao que parece, era notar que Deus não era tão amoroso ou justo como ele sabia ser. Era um “nó” que não se desatava na mente do profeta. Era a tensão entre aquilo que ele cria e aquilo que ele via. E ele não foi o único a questionar o Senhor diante do sofrimento. Jó, muito tempo antes, ao sofrer com os ataques de satanás que lhe custaram os bens, os filhos e, finalmente, a saúde, também se viu diante do mesmo dilema.. Discordando da ideia de que sua calamidade seria uma punição, diz Jó a Deus: “Tens tu olhos de carne? Acaso, vês tu como vê o homem? São os teus dias como os dias do mortal? Ou são os teus anos como os anos de um homem, para te informares da minha iniquidade e averiguares o meu pecado? Bem sabes tu que eu não sou culpado; todavia, ninguém há que me livre da tua mão” (Jó 10.4-7). O receio de Jó é sofrer um tratamento da parte de Deus sob critérios imperfeitos comuns nos homens e não em um Deus sábio e justo.
Essa “aparente” injustiça e falta de amor sempre exigiu uma resposta e os servos do Senhor sempre se esmeraram em oferecê-la de modo a preservar a perfeição, a santidade e a bondade do Senhor como descritas nas Escrituras.. Esse tipo de defesa recebe o nome de teodiceia.. Muitos foram os homens que se renderam a isso. Como, com o passar do tempo, as tragédias não deixaram de existir, ainda hoje há pessoas que tratam a questão e defendem que, mesmo diante das maiores catástrofes, o Senhor eterno é Deus santo e bom. Contudo, nos últimos tempos, alguns autonomeados “advogados” do Senhor criaram um tipo de defesa “às avessas”. Em lugar de afirmarem, como os defensores do passado, que, ainda que Deus tome decisões duras, elas fazem parte de um plano bom daquele que é perfeito e soberano, tais rábulas dizem que Deus não é culpado pelas tragédias simplesmente porque “nada teve a ver com elas”.. Dizem que ele não as orquestrou e que nem sequer sabia que aconteceriam.. Defendem que, caso soubesse, certamente as evitaria. Para eles, somente assim agiria um Deus que é bom e amoroso.. Esse tipo de argumentação recebeu o nome, no meio teológico e eclesiástico, de “teísmo aberto”.
Apesar de o teísmo aberto ter a intenção de defender a bondade de Deus diante do problema do mal e do sofrimento do homem, sua extrema ingenuidade teológica ataca tantos pilares da sã doutrina que não sobra sequer um barraco daquilo que deveria ser, na verdade, um palácio imponente.. A falta de visão das implicações de suas afirmações faz com que tais “doutores”, desejando ministrar vitamina à igreja contemporânea, injetem um veneno letal em suas veias..
Um dos motos criados pelos defensores do teísmo aberto foi a expressão “outro Deus”. A intenção de tal expressão é transmitir a ideia de que a personalidade de Deus defendida pela igreja de tradição histórica, embasada nas Escrituras, não seria, de fato, a expressão de Deus como ele realmente é. Para o teísmo aberto, a visão clássica do Senhor da igreja é resultado de equívocos, cuja consequência é uma igreja alienada do amor de Deus, desconhecedora da liberdade e opressora dos seus seguidores. Essa é, certamente, uma acusação bem séria que exige análise e resposta. Uma coisa é certa: a expressão “outro Deus”, ainda que infeliz nas bases da sua tese, representa a enorme disparidade entre a igreja histórica e os teístas abertos e no campo da “Teologia Própria” – área da teologia que enfoca a pessoa de Deus. Um dos dois grupos realmente crê em “outro Deus”.
Para tratar a questão, é preciso analisar o “outro Deus” proposto pelo teísmo aberto. Apesar de ser um sistema que possui muitos contornos, há algumas afirmações que são fundamentais na divergência entre a teologia ortodoxa e o teísmo aberto.
‘Deus se limita por amor’
Artigos e entrevistas disponíveis na Internet apontam para o fato de que as bases do teísmo aberto não são análises de textos bíblicos que tratam o assunto em questão, mas reflexões pessoais e resistências a conceitos e respostas teológicas ao problema do mal. Assim, pode-se constatar que o pensamento parte de frases negativas como “não consigo crer em um Deus que mate ou que condene” e, também, de questões positivas como “o que significa ‘Deus é amor?’”. Ainda que a inaptidão de alguém em aceitar certa realidade não seja, nem de longe, fator para desacreditá-la, a pergunta sobre o amor de Deus é tremendamente válida e deve ser respondida. O problema não está na pergunta, mas nos pressupostos que guiam a resposta. Artigos publicados dão conta de que proponentes do teísmo aberto iniciaram tal resposta a partir do seguinte pressuposto: “Deus é amor quando dá ao homem liberdade plena”.
Esse pressuposto, criado no íntimo de tais pensadores, foi estendido a implicações de ordem prática. O pensamento progrediu mais ou menos assim: “Se Deus ama o homem, dá a ele liberdade. Liberdade para quê? Certamente, para ditar os rumos da sua vida. Logo, Deus deve conceder tal liberdade não apenas de modo aparente, mas de fato. Para isso, ele não determina o que irá acontecer nem no presente, nem no futuro. Logo, Deus se abstém de exercer a soberania sobre o homem. Contudo, se Deus não controla a história, mas conhece o futuro, essa liberdade que dá é ilusória, pois tudo que o homem fizer sempre vai levá-lo ao mesmo destino. Portanto, para Deus ser de fato amor, ele não somente deve deixar de ser soberano, mas deve deixar, também, de ser onisciente. Desse modo, Deus se limita por amor”..
Essa é uma construção filosófica interessante, mas que não tem qualquer fundamento nas Escrituras para subsistir. Na verdade, essa afirmação existe a despeito do ensino bíblico. Para se ter uma visão melhor sobre esse pensamento filosófico e sua relação com a Palavra de Deus, é preciso analisar as duas principais afirmações do teísmo aberto: “Deus não controla a história” e “Deus não conhece o futuro”.