segunda-feira, dezembro 26, 2011

Ensaio sobre a minha cegueira: o objetivo do aconselhamento bíblico!

Por Jônatas Abdias

É claro que o título é inspirado no livro que virou filme “ensaio sobre a cegueira”. O filme trabalha algumas questões ligadas à ética ou falta dela, quando a visão é roubada da humanidade. Depois do filme, comecei a duvidar que, em terra de cego, quem tem olho é rei…

Neste últimos dias, tive que ficar privado parcialmente do dom da visão! As leves lesões nas córneas, causadas pelo uso (constante e provavelmente incorreto) das lentes de contato, me privaram de seu desfrute. Por alguns dias, até que um exame real pudesse ser feito e os óculos confeccionados, fui forçado a encarar dias de pouca visão e algumas limitações… o que me permitiu meditar e pensar um pouco sobre o que minha condição poderia me ensinar diante de Deus! Minhas reflexões sobre a minha “cegueira” geraram as seguintes ideias sobre o aconselhamento bíblico, que espero sirvam para edificar que você que faz aconselhamento bíblico. Ei-las:

A cegueira do aconselhado 

A miopia não permite nitidez. O míope enxerga como que através de um vidro estilhaçado. Ficar sem enxergar corretamente me fez pensar naqueles que se achegam para aconselhamento. Ele até que vê a situação, mas de um modo completamente equivocado. Basicamente, o míope não enxerga de longe. Exatamente como o aconselhado que se aproxima em busca de ajuda. Sua situação configurou-se por sua miopia espiritual. Ele enxerga pouco, e só de perto, não consegue ver adiante, ver além! Não olha para o futuro, não ergue os olhos para antever os efeitos de suas reações exageradas, pecaminosas e pouco edificantes. Pior ainda: mesmo que erguesse os olhos para o alto, não veria a Deus e como sua pessoa, caráter e obras estão ligadas à situação, pois é míope! Os efeitos aparecem, como as canelas roxas de quem não viu a mesa de centro na sala, e vão até acidentes mais graves de quem não viu os que as palavras fizeram ao coração ferido. Sua reação à situação formada, por não ser biblicamente orientada, é incorreta, causando os conflitos que o trazem ao aconselhamento. Me lembro de quando descobri que era míope, lembrança que não se apaga da memória: voltando da escola, à noite, dei sinal para o ônibus. Os colegas que estavam no ponto de ônibus comigo perguntaram se eu não iria para casa àquela noite. Eu respondi que iria para casa, sim! Então eles perguntaram de novo: “por que então você vai pegar esta ônibus que vai para outro lugar?” Foi quando que percebi que há muito eu não lia o nome do local para onde o ônibus se dirigia, mas me guiava pelo seu formato, o que acabou por me enganar naquela noite… o formato era igual, mas o veículo caminhava para lugar diferente!

Quando o aconselhado chega, ele acha que está indo para o lugar correto, porque não enxerga os detalhes de como sua situação vivencial tem relação e referencia com Deus e seu relacionamento com Ele. Enxergar Deus num problema pode ser um enorme desafio para alguém que é míope, mesmo após ter contato com alguém que sabe de sua situação. Contudo, ainda que todos nós manifestemos em grande medida a cegueira que o pecado nos lega, há esperança: Deus não está longe de cada um de nós, onde a vista não alcança(At 17:27 ARA). Saber que há um Deus que possa ser visto em nossa condição míope traz esperança, pois este mesmo Deus que está lá é o Deus que vai curar esta cegueira!

Paulo experimentou fisicamente a sua e a nossa realidade espiritual. Por ser um perseguidor voraz e dedicado, não “viu” que perseguia a Cristo, até que Ele se mostrou a ele no caminho para Damasco. Assim é ao procura por ajuda: não enxerga que seu real problema esteja ligado diretamente à Cristo ou à cruz, até que, pela ministração da Palavra, Jesus se mostra e redime o aconselhado.

A cegueira parcial do crente

O crente precisa de aconselhamento? Esperemos um momento… esta não é uma pergunta legítima. Ao gabinete de aconselhamento não apresentam-se somente incrédulo cegos, mas crentes míopes. Uma pergunta melhor seria: como devemos entender este fato, de que crentes também apresentam cegueira, ainda que parcial?

É bom lembrar que a cegueira do crente está praticamente curada, mas como a santificação é um processo progressivo, e em certa medida depende dos exercício piedosos particulares, o crente pode manifestar alguns “graus” de miopia espiritual. Afinal, a boa obra que começou em nós, ainda não está terminada, mas está em vias de… (Filipenses 1.6).

O crente se mete em enrascadas parecidas com as dos incrédulos, e cabe ao conselheiro corrigir o foco do crente apontando-o para a cruz. O mito de que o crente, por sê-lo, não enfrenta mais problemas, ou que estes acabarão quando sua conversão for genuína, é um mito que ignora a condição terrível em que o pecado nos coloca, seu poder profundamente corruptor e o ambiente contaminado em que habitamos.

Lentes corretivas

A figura das Escrituras como um espelho através do qual se enxerga bem, que é usada por Tiago é bastante conhecida. Podemos incluir, também, a figura de lentes corretivas, pois com as Escrituras “enxergamos as mãos de Deus na criação”. Sem elas o grau de miopia é tão expressivo que alguns chegam a crer que o mundo, que carrega as impressões digitais de seu Autor, não passa do um fruto aleatório de forças impessoais. As Escrituras Sagradas corrigem nossa visão de mundo, dão a maneira correta de interpretar a vida; são as lentes através das quais se vê a realidade!

O conselheiro não pode pensar que ele mesmo é o espelho ou a lente através do qual a realidade será vista. Esta seria uma visão Rogeriana da situação. Para Carl Rogers sim, o conselheiro é a lente que lê e interpreta a realidade para o aconselhado. Para o cristão, esta lente é a Palavra de Deus. É ela que é a luz que ilumina os olhos (Salmo 19.8) e ao mesmo tempo é a lâmpada para os pés vacilantes pisarem altaneiramente (Salmo 119.105). Assim como as lentes que carrego nos óculos, a Bíblia que é carregada no coração corrige nossa maneira de ver e interpretar o mundo e os eventos à nossa volta. Com as Escrituras em mãos, o conselheiro é capaz de ver e fazer ver quem dele se aproxima. Como o oftalmologista fez comigo no exame de vistas, Deus nos faz perceber as trevas em que o mundo está mergulhado, para em seguida nos direcionar para a luz, que ilumina a todo homem.

O “trabalho” do conselheiro bíblico

O trabalho do conselheiro não é fazer ver, mas jogar luz no ponto correto! O único capaz de conceder o dom da visão é Jesus Cristo, o conselheiro participa deste ministério, mas confia na ação sobrenatural, graciosa e soberana do Maravilhoso Conselheiro!

Devo confessar que o escuro é mais confortável quando estou sem lentes ou óculos. Deve ser por isso que as trevas chamam mais a atenção dos cegos e míopes! O conselheiro que assim percebe a condição do aconselhado providencia pela luz da Palavra o caminho seguro, que não vai falhar; sobre o qual o aconselhado poderá trilhar e encontrar vida e esta em abundância!

Este é o motivo pelo qual o conselheiro busca com tanta avidez manejar bem a Palavra da verdade! Quem expressou isto muito bem foi Paul D. Tripp: “Um dos efeitos trágicos da queda é a cegueira pessoal do coração. É um efeito universal e um dos fatores que fazem o aconselhamento bíblico ser tão difícil” (Coletâneas de Aconselhamento Bíblico, Vol.2 – Abrindo Olhos Vedados, pág. 30).

Somos, na condição de conselheiros bíblicos, instrumentos usados por Deus para que o aconselhado enxergue o próprio Deus na situação, e sob Sua luz, aproxime-se dele. Em outras palavras, o missão do conselheiro bíblico não é resolver o problema, mas apresentar a Deus ao aconselhado… é participar do gracioso ministério que dá “vista aos cegos”!

Enxergando de novo!

Ver não depende tão somente da luz, mas da habilidade presente nos olhos.

Uma parte do ministério de Jesus Cristo, Nosso Senhor e Salvador, consistia em “dar vistas aos cegos”. Jesus em seu ministério o fez tanto física quanto espiritualmente, em cumprimentos às profecias entregues no passado com respeito ao seu ministério messiânico: “Guiarei os cegos por um caminho que não conhece, fá-los-ei andar por veredas desconhecidas; tornarei as trevas em luz perante eles, e os caminhos escabrosos, planos. Estas coisas farei, e jamais os desampararei” (Is. 42.16).

Você pode fazer parte deste ministério também, você pode dar vista aos cegos! Mais uma vez, cito o Dr. Tripp, que acuradamente o disse: “A cegueira espiritual é sempre um elemento presente no processo de aconselhamento e, como conselheiros bíblicos, precisamos estar preparados para lidar com ela”. Acontece que nem sempre a esperamos! Num outro post falarei sobre presumir; mas se há algo que o conselheiro pode, e me atrevo a dizer “deve” presumir, é a presença desta triste miopia espiritual no rebanho, nas pessoas ao seu redor: “Os aconselhados contam conosco para penetrar seu mundo com uma perspectiva divina que os ajuda a vencer a própria cegueira espiritual” (Coletâneas de Aconselhamento Bíblico, Vol.2 – Abrindo Olhos Vedados, pág. 40).

O ministério a que o conselheiro bíblico é chamado não é o de revolvedor de problemas! O conselheiro bíblico não dá solução aos problemas do aconselhado, mas é o Instrumento do Redentor para apresentar o Deus de toda luz ao aconselhado preso em sua cegueira, pra que, no conhecimento deste Deus, conhecendo-o e amando-o, aproxime-se do Senhor, fonte da qual jorra todas as soluções para todos os problemas! 

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