Amar o próximo como...
por Reinaldo Bui
Recentemente participei de uma aula de escola dominical numa determinada igreja, cuja aula era guiada por uma revista que, segundo o título, nos propõe uma nova vida em Cristo. Muito me preocupou o que estava sendo ensinado àquela igreja - e sei lá quantas mais, aos crentes desejosos de uma nova vida, quando foi lido, por exemplo, o seguinte texto na referida revista:
Amarás, pois, ao Senhor teu Deus... Amarás ao próximo como a ti mesmo... (Mc 12.30-31). Na EBD foi dito que Jesus estava ressaltando uma verdade incontestável: não basta amar a Deus e ao próximo, é preciso amar a si mesmo. Esta prática do amor tríplice ajuda você a ter menos problemas físicos e emocionais, como comprova a ciência. O princípio supremo dado por Jesus é para o nosso bem estar. Este ensino me levou a algumas perguntas:
- Será que aumentar nossa auto estima refletirá num aumento substancial de preocupação ao bem estar alheio?
- Quanto mais eu me amar mais amarei o próximo?
- Amor próprio é um mandamento?
- Será que assim Deus não estaria nos incentivando a intensificar atenção e gastos com nossa própria pessoa antes de pensar no próximo?
- Será que naturalmente já não fazemos isto?
Esta expressão amar o próximo como a ti mesmo aparece 8 vezes na Bíblia, e foi citada pela primeira vez em Levítico 19.18. Neste contexto, Deus estava dando uma série de instruções para Seu povo no que diz respeito ao relacionamento e tratamento para com o próximo (cf. Lv 19.9-18). Deus não estava sugerindo, em hipótese alguma, que seu povo desenvolvesse um mecanismo de “auto amabilidade” para poder amar o próximo de uma maneira melhor. Não! Deus sabe que somos egoístas por natureza. A ideia expressa aqui pelo Senhor é melhor interpretada como “Ame o próximo como você se ama.”
Não há nenhum texto bíblico que mande ou sugere que nós nos amemos. Isto já é inerente à nossa natureza. Amar-se a si mesmo é próprio da natureza humana. Note o que Paulo escreveu aos Efésios (5.28-29).
Assim também os maridos devem amar a sua mulher como ao próprio corpo. Quem ama a esposa a si mesmo se ama. Porque ninguém jamais odiou a própria carne;
antes, a alimenta e dela cuida...
Maridos devem amar suas esposas como se amam, assim como devemos amar o próximo como nos amamos, cuidamos de nós, visto que sabemos o que é melhor para o nosso eu.
Vemos este mesmo princípio na chamada “regra áurea”: tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas (Mateus 7:12).
Repetições no NT
Neste mesmo espírito, Jesus citou Levítico 19.18 em 2 ocasiões:
Uma delas aconteceu quando um jovem rico o abordou querendo saber o que poderia fazer (esforço próprio) para ganhar a vida eterna (Mt 19.16-22). Entre as “observações” que Jesus considerou, constava “ame o próximo como a ti mesmo”. Vemos no desfecho desta história que, embora o jovem afirmasse que cumpria isto, ele de fato não amava o próximo como se amava.
A segunda, foi quando um intérprete da Lei questionou Jesus sobre qual era o maior mandamento. Respondeu Jesus: O principal é: Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor! Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. O segundo é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes (Mc 12.28-31).
Lucas Também cita Levítico 19.18 numa situação semelhante a esta, porém Jesus fez com que o escriba respondesse sua própria pergunta (Lucas 10.27). É neste contexto que Jesus ensina a seus ouvintes quem é o nosso próximo, contando-lhes a parábola do samaritano – um personagem extremamente degradante aos olhos de um judeu daquela época. Ame o próximo como este samaritano fez e ame o próximo como você se ama, mesmo que seja um samaritano... você consegue?
Além dos sinóticos, Paulo (2 vezes) e Tiago (uma vez) citam este mandamento enfatizando-o como sendo um resumo (essência) da Lei.
Referencial: “EU”
Ao mesmo tempo que o referencial deste mandamento da Lei para amar o próximo baseia-se no quanto nós nos amamos, ele também constitui um problema, pois é verdade que ânimos variam de pessoa para pessoa (assim como pode variar em uma única pessoa). Vejamos aqui os dois extremos de “amor próprio”:
Como devo amar o próximo se tenho...
- Baixa auto estima
- Auto estima elevada
Um é infeliz porque não é exatamente quem gostaria de ser ou não tem tudo aquilo que desejaria ter. Isto gera complexos e frustrações. Pessoas assim vivem amarguradas, tem raiva de Deus e da vida. Apresentam problemas de baixa estima, depressão, auto comiseração, etc.
No entanto, o problema desta pessoa não é falta de amor próprio, ela simplesmente acha injusto que os outros sejam mais felizes e realizados do que ela. Insisto que não é falta de amor próprio, mas sim falta de compreender o amor de Deus somado a uma superproteção do seu “ego”. De qualquer forma, esta pessoa sente muita dificuldade de amar o próximo (como a si mesma) porque ela necessita de toda atenção para si. Ela é extremamente carente, só se deixa demover por meio de lisonjas e elogios, e jamais reconhece qualidades nos outros.
No outro extremo, temos aquela pessoa que se ama tanto que é apática com tudo e com todos que de alguma forma não lhe favoreça. Supervaloriza-se tanto que não consegue olhar para as necessidades alheias. É indiferente com Deus, porque não se atenta à Sua Palavra. Normalmente vê Deus como alguém que está aí para servir seus desejos e garantir-lhe vitória em tudo o que fizer. Sua auto estima é super elevada e acredita que é assim porque merece. Sente-se linda e poderosa e não percebe o quanto é pecadora.
Responda sinceramente:
- Uma pessoa que se ama tanto assim consegue amar o próximo de uma forma melhor?
- E a pessoa do primeiro caso? Note que ambas são egocêntricas.
Portanto, quando Jesus citou “amarás o próximo como a ti mesmo” não estava ensinando amor próprio nesta passagem. Não estava ensinando a verdade incontestável que devemos primeiro nos amar para poder amar os outros.
Em 2 Timóteo 3.2 temos a única aparição da palavra egoísta (do grego philautos) na Bíblia, que significa aquele que ama a si mesmo; bem atento aos próprios interesses. Aliás, é bastante oportuno verificarmos algumas das definições que o dicionário Houais traz desta mesma palavra:
1-amor exagerado aos próprios valores e interesses a despeito dos de outrem;
2-exclusivismo que leva uma pessoa a se tomar como referência a tudo; excessiva vaidade, pretensão, orgulho, presunção;
3-atitude ética ou social que parte do princípio de que o móvel fundamental de todo pensamento ou ação (morais) é a defesa dos próprios interesses;
4-interesse que o ego tem por si próprio.
Sejamos sinceros: somos egoístas ou não?
Releia estas definições com a “guarda abaixada”, em tom de confissão.
Medite nas seguintes questões:
- Quanto tempo e recursos você investe para cuidar de si mesmo e de seus interesses? Você gasta o mesmo em prol de outrem? Está disposto a gastar?
- Se você ganhasse um prêmio substancial em dinheiro, gastaria com o que e para quem? Repartiria com alguém necessitado que não fosse seu familiar?
- Temos algum valor? Esta pergunta eu respondo: sim! Tanto que Deus enviou seu único filho ao mundo para nos resgatar. Pagou um altíssimo preço. Morreu em nosso lugar, para que nós tivéssemos vida e vida em abundância. Deus nos ama e nos adotou como filhos, nos fazendo co-herdeiros com Jesus.
Não estamos defendendo que a pessoa não deva cuidar de si: de sua saúde física, emocional, intelectual e, principalmente, espiritual. Mas não podemos puxar para nós honra ou valor maior do que Deus nos outorgou. Se somos o que nos tornamos é porque Ele nos transformou. Sem Deus, não passamos de miseráveis pecadores!
Veja o que o salmista escreve em Salmos 8.3-5:
Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que estabeleceste, que é o homem, que dele te lembres e o filho do homem, que o visites? Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus e de glória e de honra o coroaste.
Primeiro, o salmista reconhece nossa insignificância e pequenez diante da grandeza do universo (obra dos dedos de Deus), e em seguida admira-se com o cuidado de Deus por seres tão pequenos como nós. Se buscarmos nossa própria glória, deixamos de honrar o nosso criador exaltando o nosso ego; mas quando reconhecemos e aceitamos a posição que o Senhor nos colocou, então glorificamos o Seu Nome.
Agape ou philautos?
Ao invés de incentivar o amor próprio, Jesus convida aqueles que querem segui-lo (cristãos) a negarem-se a si mesmo, tomarem sua cruz e segui-lo.
Aqui o amor próprio começa entrar em conflito com o amor agape. Se agape é um amor incondicional não pode estar se referindo a mim mesmo, mas ao próximo. Precisamos entender que agape é altruísta, enquanto que philautos é egoísta. Se amor próprio não pode ser agape, então é um amor “egocentrado.”
Em 1 Coríntios 13, o apóstolo Paulo escreve, inspirado pelo Espírito Santo, a melhor definição de amor (agape) que conhecemos. Analise esta passagem cuidadosamente:
O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal;
não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba...
Certamente este hino não descreve, e nem nele cabe o amor próprio (philautos). Somente o amor ao próximo (agape).
Novo mandamento
Em João 13, no contexto da última ceia, Jesus muda radicalmente o referencial de amor ao próximo quando diz a seus discípulos: Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros (João 13.34-35).
O referencial da antiga aliança de amor ao próximo, assim como todo cumprimento da Lei, dependia do que eu poderia produzir; dependia de meus próprios esforços. Nesta nova aliança anunciada e inaugurada pelo Senhor Jesus, o referencial não se baseia mais em nossa frágil e egoísta natureza humana, mas no Seu amor.
1 João 4:19 nos ensina que nós amamos porque ele nos amou primeiro, e não porque me amo. Devemos amar como Ele nos amou: Servindo, perdoando, incondicionalmente.
A velha Lei dizia: Ame o próximo do jeito que você se ama. E agora? O que a graça, diz? Amar ao próximo: como você se ama ou como Cristo nos amou? Qual deve ser o nosso referencial? Insistir no amor próprio é negar que Cristo é o nosso referencial.
Mas se amar o próximo como nós nos amamos já é difícil, e quanto amar como Cristo nos amou? Novamente, se depender de nós, é impossível. Por isso Deus nos deu o Seu Espírito. Conforme permitimos, veremos o fruto deste Espírito crescendo em nós, abrochando amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio.
Não preciso recorrer para a ciência para saber que pessoas que amam a Deus e ao próximo tem menos problemas físicos e emocionais. Antes da ciência comprovar, a Bíblia já afirmava isto com autoridade e quer que esta seja uma realidade em sua vida!
E quanto ao amor próprio? Bem, sabemos que a pessoa que é amada se sente valorizada. Daí cabe a seguinte pergunto: Você crê que Jesus te ama? Então espalhe este amor pelo mundo. Ame ao próximo como Ele te ama. (Para uma compreensão melhor deste assunto, leia a Primeira Epístola do Apóstolo João.)