segunda-feira, maio 23, 2011

Pimenta nos olhos dos outros, ateísmo e religião

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Autor: William Douglas
Juiz Federal, Titular da 4ª Vara Federal de Niterói/RJ. Professor universitário. Mestre em Direito, pela Universidade Gama Filho (UGF). Foi aprovado em oito concursos públicos. É autor de diversas obras na áreas jurídica, de auto-ajuda e relacionadas a concursos públicos.

A campanha que a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) vem promovendo, em ônibus, nos grandes centros urbanos do país merece alguns comentários. Aplaudo a ideia de combater o preconceito contra ateus e agnósticos, aliás, como aplaudo qualquer evolução no sentido da mais ampla liberdade religiosa, o que inclui o direito de crença e o de não crença.

Contudo, a ideia, que é boa, foi muito mal executada. A ATEA conseguiu repetir os erros mais comuns dos maus religiosos.

Um banner da campanha afirma: “Religião não define caráter”; coloca a foto de Chaplin acompanhada da frase: “Não acredita em Deus”, e a de Hitler, com a frase: “Acredita em Deus”. Lamentável a parcialidade tão criticada nos religiosos ser repetida de forma tão grosseira. Por que não se colocou junto de Chaplin, um bom homem, a de Pol Pot, Stalin ou Mao Tse Tung, reconhecidos assassinos de milhões e que eram ateus? Teria sido mais honesto, mas optou-se apenas por mostrar um bom ateu. E quanto a Hitler? Por que não se colocou ao lado dos teístas, Madre Teresa? Ou o muçulmano Saladino, que respeitou igrejas cristãs e sinagogas mesmo após todas as crueldades que outras religiões cometeram contra as mesquitas? Ou o hindu Gandhi? A campanha teria sido muito mais feliz se mostrasse que em todas as crenças, ou mesmo sem elas, temos boas e más pessoas. Isso teria sido mágico.

Não é atacando o teísmo que alguém irá conseguir o respeito para o ateísmo, ao contrário. A reclamação da ATEA de que alguns veículos se recusaram a veicular as campanhas, ignora o fato de que as razões da recusa podem não ter sido o preconceito contra os ateus, que é errado, mas a recusa em se fazer uma campanha que se mostrou parcial e deselegante. As frases e ideias escolhidas são tão preconceituosas que parece que a defesa é a de que “preconceito ruim é só aquele que nos atinge”.

Não sei de onde saiu a frase: "A fé não dá respostas, só impede perguntas." Apenas um grande desconhecimento da religião dos outros pode dizer que a fé impede perguntas. Ao menos na minha, desde os profetas até o próprio Jesus, as perguntas são livres, e muitas, e incentivadas. E dizer que a fé não dá respostas também é preconceituoso: se as respostas não agradam a alguns nem por isso deixam de ser respostas para aqueles que, como eu, ficaram satisfeitos com elas. Mais que isso, traz a foto de uma pessoa encarcerada, como se todos os que tivessem fé fossem encarcerados... o que realça a postura arrogante, comum a muitos ateus e teístas: a de que apenas o que eles mesmos creem ou deixam de crer é a verdade. Por fim, mostra desconhecer (ou querer ignorar) quantos foram os encarcerados que saíram da vida de crimes pela intervenção dos movimentos religiosos dos mais variados matizes. As grandes universidades de hoje começaram, anote-se, de movimentos religiosos. Dizer que não temos respostas e que impedimos as perguntas é, no mínimo, falta de informação. Não crer nas respostas da fé é uma coisa, dizer que elas não existem é outra.

A foto do ataque de 11 de Setembro ao lado da frase: "Se Deus existe tudo é permitido” é desonesta. Primeiro, pois escolhe dentro do islamismo uma linha que o próprio islamismo, em grande parte, critica. Em suma, a ATEA escolheu o que a religião tem de pior para falar mal da religião. Ao invés de ir contra o preconceito, repetiu-o.

A citação da frase: “Se Deus existe tudo é permitido” me pareceu, no mínimo, deselegante, pois é exatamente o contrário da conclusão a que se pode chegar do que Dostoievski escreveu no romance Os Irmãos Karamázov: "Se Deus não existe, tudo é permitido". Ou estamos diante de desconhecimento ou de um aproveitamento de frase com a inversão do seu sentido, o que seria, no caso, o pior dos plágios.

Enfim, preconceito, desconhecimento, arrogância, uso invertido de frase conhecida e parcialidade, para não ir muito longe. Conheço amigos ateus que devem ter se sentido muito mal representados por esta campanha, assim como me sinto muito mal representado, na qualidade de quem acredita em Deus, por Hitler e por terroristas (escolha feita pela ATEA para criticar o preconceito).

Uma pena que, ao invés do alto nível intelectual e pluralista de tantos ateus que eu conheço, a campanha, tão boa em seu propósito, tenha sido desastrosa na sua execução, como se o seu fim fosse dizer: “Aceitem-nos! Nós conseguimos ser tão preconceituosos e agressivos quanto vocês”. O lamentável é que a campanha ignorou bons exemplos de tolerância, esclarecimento e educação, tanto no ateísmo quanto na religião.

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