Por Thomas Tronco
Assim como eu, minha mãe também é dentista. Ela voltou a estudar depois que os filhos já tinham certa idade e se formou com quarenta anos de idade. Cursamos odontologia na mesma universidade em que iniciei meu curso no ano seguinte ao da formatura da minha mãe. Desse modo, tivemos os mesmos professores. Um deles tinha um modo de avaliação que envolvia um exame oral. O problema é que a matéria em si já era complicadíssima. Juntando a isso o fato de que o professor era um tanto amedrontador, o resultado eram alunos em pânico antes do exame oral e vários deles chorando, pois frequentemente se esqueciam do que haviam estudado devido ao nervosismo do momento.
Depois de algumas dessas provas – ou “provações” –, minha mãe procurou o professor e argumentou com ele sobre os efeitos que seu sistema de avaliação produzia nos alunos e como, diante de tanto pânico, a avaliação não refletia o real conhecimento do aluno. Por fim, o professor aboliu esse jeito de avaliar os alunos. Eu não me beneficiei dessa mudança, pois no ano em que cursei aquela matéria, o professor voltou a aplicar as chamadas orais. De qualquer modo, todos os alunos até a minha turma foram beneficiados pela iniciativa da minha mãe.
O Salmo 67 também fala de uma atuação cujos benefícios se estendem a outros. Mas não se trata de uma turma; trata-se do mundo. Assim como no Salmo 65, a ocasião é a colheita farta vinda como suprimento de Deus ao seu povo (v.6): “A terra deu sua safra” (’erets notnâ yevûlah). O motivo da alegria é a colheita, mas a fonte da colheita e da alegria é o próprio Deus: “Deus, o nosso Deus, nos abençoa” (yevarkenû ’elohîm ’elohênû). Sendo assim, essa poesia é, conforme diz seu título, uma alegre “música” (mizmôr), uma “canção” (shîr) de louvor a Deus pelo suprimento.
Esse assunto não é novidade a essa altura do livro de Salmos. Entretanto, há um fator que torna singular esse capítulo: o modo como, por meio da bênção de Deus ao povo de Israel, há benefício para outros, a saber, as nações da Terra. Esse enfoque explica porque o salmista, por duas vezes, vislumbrando a colheita dos agricultores israelitas, se refere aos homens de todas as nações e os conclama a adorar o Deus soberano (vv.3,5): “Aclamem-te os povos, ó Deus, aclamem-te todos os povos” (yôdûka ‘ammîm ‘elohîm yôdûka ‘ammîm cullam). Apesar de não parecer em um primeiro momento, a ação de Deus em benefício do suprimento de Israel é motivo de bênção para pessoas do mundo todo. Assim, esse salmo evidencia três efeitos da bondade de Deus em relação a Israel que abençoa o mundo, o qual, pela verdade e pelo conhecimento, pode se tornar alvo das maiores benesses do Senhor.
O primeiro efeito produzido pela demonstração da bondade de Deus é tornar sua salvação conhecida ao mundo. O salmista inicia o salmo expressando seu desejo (v.1): “Que Deus mostre seu favor para conosco e nos abençoe” (’elohîm yehannenû wîvorkenû). Esse é o pedido geral de bênçãos vindas da graça de Deus. Porém, em um salmo alegre por causa da colheita, é claro que o salmista tem em mente a bênção dada por Deus enchendo os celeiros do povo a fim de garantir sua subsistência. Pensando nisso, o salmista vê esse ato gracioso de Deus como uma oportunidade de tornar seu caráter conhecido dos homens: “Que ele faça sua face resplandecer sobre nós” (ya’er panayw ’ittanû). Outra maneira de dizer isso seria: “Que o Deus invisível se mostre aos homens na sua atuação favorável a nós”.
O desejo do salmista é justificado. Ele deseja que o conhecimento de Deus não fique restrito apenas aos israelitas de fala hebraica, mas a todos os povos. Ele deseja de coração que as nações conheçam a salvação que vem de Deus conhecendo o próprio Deus que salva (v.2): “A fim de que o teu caminho seja conhecido na Terra e, em todos os povos, a tua salvação” (lada‘at ba’arets darkeka bekol-gôyim yeshû‘ateka). Eis um dos propósitos divinos ligados à eleição de Israel. Deus escolheu um povo por meio de quem sua Palavra, seu caráter e o Evangelho da salvação fossem manifestos e anunciados pelo mundo todo. Deus escolheu a nação israelita para se revelar aos homens e para trazer salvação.
O segundo efeito é garantir uma direção justa para o mundo. Depois de convocar os povos para a adoração ao Senhor (v.3), o salmista explica a razão para o efusivo louvor (v.4): “Que os povos celebrem e deem brados de louvor, pois tu julgas as nações com retidão e guias os povos na Terra” (yismehû wîrannenû le’ummîm kî-tishpot ‘ammîm mîshôr ûle’ummîm ba’arets tanhem). A segunda cláusula desse versículo traz um problema para os exegetas, pois pode ser compreendida, como aqui traduzida, na forma de uma ação presente e contínua – “tu julgas... guias”. Isso revela o controle soberano de Deus sobre a História e o modo justo de tratar aqueles que o temem e punir os que desprezam o bem, garantindo que o mal não cresça sem limites. Porém, é possível e teologicamente aceitável traduzir tais ações no tempo futuro – “tu julgarás... guiarás” –, aludindo à vinda do Messias para reinar com justiça e poder, trazendo ao mundo paz e retidão (Is 2.1-4; Mq 4.1-4). Problema para os exegetas, mas não para as pessoas que, vendo o poder de Deus no sustento de Israel, passam a ter convicção e esperança de que Deus é poderoso para, agora, refrear o mal e, no futuro, debelá-lo definitivamente no reinado anunciado e prometido do Deus Filho.
Por fim, o terceiro efeito é inspirar um sentimento de temor no mundo. A observação atenta da atuação poderosa e graciosa de Deus, sustentando o povo que ele chamou para si, não permite que se ignorem a grandeza de Deus e a veracidade das suas promessas e caminhos. Eis a razão porque, muitas vezes, as pessoas se curvam em devoção ao Senhor, Deus do universo. O salmista não está alheio ao efeito que a atuação de Deus tem sobre o coração dos homens (v.7): “Que Deus nos abençoe e, assim, temam a ti todas as extremidades da Terra” (yeborkenû ’elohîm weyiyre’û ’otô kol-’afsê-’arets).
É nítida a conexão entre a ação misericordiosa e soberana de Deus para com Israel e o temor que deve ser produzido no mundo pela observação do ato. O que precisa ficar claro é como esse temor liga o homem perdido ao Deus salvador. Em primeiro lugar, significa reconhecer a divindade, singularidade e primazia do Senhor sobre tudo que existe. Em segundo, estar convicto de que, pela justiça divina, há punição para quem não puder comparecer plenamente inocente em seu tribunal. Por último, crer que só ele pode conceder o perdão que homem pecador necessita para ser salvo do juízo e ser recebido nos braços calorosos e amáveis do Pai eterno: “Se observares, Senhor, iniquidades, quem, Senhor, subsistirá? Contigo, porém, está o perdão, para que te temam” (Sl 130.3,4).
Diante disso, quem duvidará da sabedoria de Deus em chamar um povo por meio de quem ele se revelasse ao mundo como Deus eterno e poderoso e como Pai amoroso, compassivo e salvador? Quem defenderá a ideia de que Deus foi frustrado pelo modo como a história do Antigo Testamento se desenhou? Quem ignorará que tudo que Deus fez no passado foi para alcançar homens e mulheres perdidos ao redor do globo em todas as eras? Quem poderá desprezar um amor tão grande e a oferta da gratuita salvação que vem pela fé no sacrifício do Senhor Jesus no Calvário? Bem disse o apóstolo Paulo: “Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança [...] para que concordemente e a uma voz glorifiqueis ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 15.4,6).
Fonte: Batista da Redenção
Nenhum comentário:
Postar um comentário